Cerca de meia-noite e acabo de falar com Marina, me despeço dela para dormir bem para a São Silvestre (o que no meu caso representa 4 ou 5 horas). Acordaria 5:00. Estava tudo bem dentro do meu planejamento. A última passada na cozinha, banheiro e me deito. Uma mensagem no celular e uma amiga em uma noite não muito feliz e talvez tenha levado 2 horas conversando com ela, afinal de contas, eu não era um corredor profissional e preferia ajudar uma amiga do que ter um tempo ligeiramente melhor. Meu tempo para dormir havia caído e agora estava abaixo do ideal e isso talvez tenha despertado a famigerada ansiedade. Empurrei o despertador para 5:45h mas demorei para dormir. Última vez que olhei ao relógio, ele apontava 3:50h
5:45h e o despertador toca e com 45 minutos a menos, não tinha tempo para fazer as coisas lentamente como inicialmente pensei. Comi, me vesti (havia tomado banho antes de deitar) e fui. Desço de elevador e ao chegar no carro, última vistoria de todo o apetrecho necessário que incluía desde o chip para corredores, quanto barra de cereal para comer durante a prova, passando por número do atleta (atleta? Eu? Produção?) e fones de ouvido para escutar o aplicativo que uso para correr. Havia esquecido o fone. Titubeei. Posso correr sem ele... não quis alterar o que sempre faço e perco alguns preciosos minutos indo buscar o fone.
De volta, pego o carro. Iria dirigir até o metrô Vila Madalena, mas nessas resoluções ansiosas que você não sabe se fato melhora alguma coisa, vou até a estação Sumaré e paro o carro. Desço na estação e quando passo na catraca do metrô... não passo. Não havia saldo no bilhete único e lá vai eu carregar o tal. Embora as 6:43h não houvesse fila, o bilhete único do qual uso por 11 anos teima em dar problema justo dessa vez. O que costuma levar uns 25 segundos não se concretiza em alguns minutos. A ansiedade toma cara de impaciência e desisto. Peço meu dinheiro de volta e em vez dela apenas me devolver R$10,00, ela faz questão de me dar a nota de R$20,00 dada para que eu devolva o troco que já estava solto dentro da carteira naquelas tradicionais sacolas de corredores onde você não encontra nada a não ser se praticamente virar a carteira inteira. Achei que não conseguiria chegar a tempo no ponto de apoio da 4any1 que estava marcado para 7:00h. 7:03h é atraso?
Largada seria apenas 9:00h, então estava eu ali comendo mais alguma coisa e após as últimas palavras com os treinadores Aulus e Edmilson, fui munido de uma pequena garrafa de água e duas barras de cereal para o vão libre do Masp onde me encontraria com Bruno de Almeida para instruções sobre a entrevista que daria ao vivo na corrida. A melhor parte na verdade foi ser colocado no pelotão elite b, onde encontrei para a minha surpresa Zélia Duncan.
– Hey querida, onde vai passar a virada?
– Em casa no Rio, termino a prova e vou para o aeroporto. Cansei de ficar abraçando quem nem conheço.
– Provavelmente o cara que te xingou meio-dia no trânsito né? – Risos de todos que estavam próximo.
Demétrius e Zélia
Havia gente se aquecendo por quase uma hora. Fiz o de sempre. Uns dez minutos apenas e conversando com Zélia, Vander de 65 anos que pagaria sua promessa depois de 50 anos e sua filha Janaína, que tornou-se treinadora de corridas e viabilizou o sonho do próprio pai.
Vander, o repórter Alexandre Oliveira e eu
Dada a largada e os poucos metros da elite fez diferença para eu ter uma largada correndo e não caminhando, mas logo, em questão de segundos, uma multidão já atropelava-me. Na saída da Paulista para o acesso da Dr. Arnaldo, seria impossível dizer que larguei em tal pelotão, mas eu corria e corria bem. Nem senti a primeira subida. Vi Zélia e tentei me concentrar. Exatamente enquanto pegava o primeiro trecho de subida considerada, o fone de ouvido me da o tempo (de cinco em cinco minutos), com a distância percorrida e percebi que entrei no ritmo de "estouro da boiada". Estava com o ritmo muito mais acelerado e ainda em subida. Isso poderia comprometer a minha corrida. Bendito fone.
Pequeno trecho da Dr. Arnaldo e a descida mais íngreme, o que é uma tentação de largar o pé e deixar a gravidade fazer sua parte, mas é um erro básico inicial de corredores. Dessa forma, muita gente me ultrapassa com velocidade absurda e eu tentando diminuir a velocidade segundo meu aplicativo. Foi difícil. Quando o relógio marcou dez minutos, eu havia baixado muito pouco desse tempo na verdade e então deixando já o estádio para trás sou encontrado pela equipe da Globo que tentaria uma entrevista comigo durante a corrida. Uma equipe contendo 4 pessoas da Globo correndo em minha volta e para efeito de garantia, a entrevista foi feita correndo duas vezes ao repórter Alexandre Oliveira. Dois minutos talvez tenha levado tudo? Qual o estado físico da equipe para acompanhar-me? Só sei que finalmente estava solitário na multidão e senti o quanto a entrevista quebrou minha concentração e ritmo. Senti que tinha que me concentrar para conseguir concluir.
Sim, correr é solitário e leva tanto tempo que o mundo passa por sua cabeça e muita coisa acontece ali. Na reta da Pacaembu eu serenei o coração e a alma e corri em direção a minha casa, entrei para o lado da Barra Funda e contornei o memorial da América latina. Locais que eu já havia corrido e que faz diferença para quem corre. Quando ele finalmente pega o viaduto Pacaembu, relativamente longo e pesado, ainda não senti, mas a temperatura também ia subindo e olhava a cada relógio de rua a temperatura. Tinha como estratégia não perder um só ponto de hidratação, afinal não consigo beber muito água enquanto corro. Basicamente molho a boca seca e tomo literalmente um gole. Despejo parte da água sobre o próprio corpo para diminuir a temperatura corporal e sigo em frente. Esse acabou sendo o trecho mais tranquilo, em compensação meu calvário começou no viaduto Eng. Orlando Murgel com mesmo nível de dificuldade técnica da Pacaembu.
Aquelas coisas que nunca acontecem acontecia de novo. O famoso pênis resolve se acomodar de um jeito incômodo dentro da bermuda. Correr incomodado por mais 7 km? Não, mãozona para dentro do short para reacomodar o garotão sob o risco de uma câmera registrar o corredor com a mão dentro das calças e um meme estourando logo no primeiro dia de 2015.
Agora eu entrava na avenida Rio Branco para pegar a Ipiranga e entrar na av. São João. Pô Caetano, eu pensei que alguma coisa aconteceria em meu coração, mas aconteceu no meu psicológico querendo me derrubar. Não sabia eu que o percurso forma um coração nesse trecho e que passaria pelo cruzamento de volta vendo uma multidão impressionante de corredores. Já corria por uma hora, mas o corpo sentia ter largado com velocidade acima da minha média.
Pouco mais de 12 km. Viaduto do chá. Logo mais estaria chegando na destemida av. Brigadeiro Luis Antônio e algo que nunca me aconteceu. Não fazia um calor tão forte assim visto os dias anteriores e já corri com temperaturas mais elevadas, mas sim, fazia calor e muito, mas eu, senti um calafrio rasgar minha coluna e senti frio. Um frio esquisito por cerca de 250 metros. Justo eu que não sinto frio, mas passou. Era apenas o psicológico. Eu que sou acostumado a gerenciar isso tendo que tocar em palcos por anos e anos estava agora fora da minha zona de conforto.
A Brigadeiro enfim chega. Olhar para aquela reta de 1,8 km subindo rumo a Paulista e gente gritando coisas de todos os tipos sendo para se encorajar, encorajar os outros ou sei lá o que, era visto. Também foi a hora que mais vi gente estirada no chão, gente desistindo, sentada nas calçadas, recebendo ajuda médica ou mesmo chorando. Também vi Zélia novamente e a danada me deixou para trás na Brigadeiro. Confesso que ao fim de escalar o temeroso trecho, mandei um – Chupa Brigadeiro (embora apenas mental),
Virei a direita e avistava a chegada. Voltando ao plano e já tão perto do fim, não senti mais esse final. Pelo contrário, entrei na efusão dos populares que incentivavam os corredores e correria mais 2 km fácil no plano se preciso fosse.
A medalha que tem uma representatividade muito mais simbólica do que real, estava em minhas mãos e voltei ao posto da 4any1. Só quem se aventura a correr algo do tipo sabe o quanto isso é algo de superação física e sabia que várias pessoas que havia conhecido nos últimos meses terminariam a prova. Entre eles, destaco Rita, Luiz e Viviane que sabia que terminariam a prova cada um com suas histórias, tempos e dificuldades, mas eu só iria embora depois que Flávia chegasse. A maior distância que ela havia feito até hoje era 12 km e embora nunca nem tenhamos conversado muito, vibrei internamente quando a vi chegando com a medalha e agora podia ir embora.
Entrei no carro, sentei e chorei. Não sei se foi de alegria, mas de tristeza não foi. Era um alívio e era bom. Das coisas que me propus a fazer na vida, a São Silvestre foi cumprida...
P.S.: Meu tempo foi de 1:37:33. Apesar das dificuldades, tempo ainda abaixo do que projetei.