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terça-feira, 16 de dezembro de 2014

ReConstrução

FOTO: IVAN SILVA


Todo dia ela faz tudo sempre igual...
Me sacodiu, me sorriu e me beijou com a boca de hortelã.

Era para ser igual como os outros dias. Ela dizer para eu me cuidar e essas coisas que diz toda mulher, que me esperaria para o jantar e me beijar com a boca de café.

Logo na saída de casa, consulto o celular/computador/vida de cada um de nós e então eu simplesmente soube que um amigo havia falecido. Havia ficado hospitalizado por cerca de 25 dias e uma pneumonia que desencadeou isso, que desencadeou aquilo que culminou com uma infecção generalizada, que deu off em seu celular/computador/vida.

Celular... computador... com puta dor... sem vida. 

A notícia me abalou e não interessava que não o via de fato uns 20 anos e que talvez uns dez mesmo em tempos de redes sociais. Será que o veria nos próximos dias? Meses? Anos? 20 anos? Talvez não e não era esse o problema. A desconexão eminente era o que me dilacerava no momento.

Meus sentimentos por ele iam wi fi e eu só podia esperar que nossos celulares/computadores/vida se conectassem naquele momento e o dia foi estranho. Foi surdo no meio da barulheira de sempre, ou talvez meu silêncio falasse mais alto. Pensei que tinha passado o dia em câmera lenta, mas ao final do dia, havia produzido e embalado 183 caixas. 9 acima de minha média. Ok. Não era meu recorde, mas era um número muito alto para quem não conseguiu pensar. Talvez esse tenha sido o segredo… não pensar.

Hora de voltar para casa e a cabeça estava completamente distante. Paralisei em frente da barbearia onde meu avô cortava o cabelo e trazia o meu pai que trazia-me e eu já trazia o meu filho… Será que meu bisavô cortava aqui? Meu neto cortará aqui? Isso não interessava por hora, o que me paralisou foi na verdade um flash de que ali, cerca de vinte anos atrás eu via pela última vez o meu amigo. Não lembro quem cortou o cabelo primeiro, mas o outro ficou por ali na escada sentado e conversando besteira. Não parecia que seria a última vez que nos veríamos. Daí depois disso eu viajei de férias, quando voltei, soube que ele havia se mudado de bairro e simplesmente perdi o contato dele. Confesso que por algum tempo, ele praticamente não existia mais em minha memória até ser reencontrado pelas redes sociais. Foi aquela empolgarão, aquela promessa de vamos nos ver, jogar bola, tomar uma cerveja e nada aconteceu. Eu casava, ele viajava, eu tinha que trabalhar, ele estudar e foi-se escorrendo por novas teclas e conexões em nossos celulares/computadores/vidas…

A porta da barbearia se fecha com o dia se aproximando de seu fim. Não reparava em seu Oswaldo há muito tempo, mas notei hoje mais velho. Realmente mais velho. Me cumprimentou com aquele olhar simpático, mas cansado e se foi. Fiquei olhando para a portão de correr. Visivelmente mais acabado também. Riscado, com papel adesivo, sujo e feio como se fosse cada um de nós se desgastando com o tempo, mas eles possuem lá suas vantagens. Uma reforma e ele pareceria novinho em folha. Já eu, meu amigo que se foi, seu Oswaldo ou mesmo meu filho, não tem volta.

Sentei e saquei meu celular/computador/vida.

– Ingrid?
– Oi?
– Lembra do Léo?
– Léo… Léo… que Léo?
– Aquele do colégio. Primo do Rafael.
– Ah, nossa… quanto tempo. Sei sim, o que tem?
– Vou dar uma passada na casa dele. Só para dizer um oi. Demoro meia hora tá?
– Mas hoje? Assim do nada? Qual o motivo?
– Nenhum em especial, apenas  que se eu esperar para amanhã, pode virar 20 anos e ele pode ter ido, ou mesmo eu ido dele por um único dia e nunca saberemos.
– É. A vida não está sob nosso controle. Passei a tarde pensando na Renata por causa disso…
– Amanhã é sábado. Chama ela para ir ao parque conosco.
– Será?
– E o que vamos fazer? Ver tv pensando que a gente poderia estar fazendo aquilo que a gente teve preguiça de fazer? Passam-se alguns segundos em silêncio e sei lá o que ela pensava. Pode ser que ela tenha pensado no sei lá que eu tenha pensado…
– É… vamos. É uma boa.


Seis da tarde como era de se esperar ela pega e me espera no portão diz que está muito louca pra me beijar e me beija com a boca da paixão. Disse para eu não me afastar, me jurou amor, me apertou até quase sufocar e me morde com a boca de pavor...

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Para bom entendedor, meio minuto basta

Foto: Ivan Silva


O evento? Copa do mundo. Ibope garantido. O jogo? Irã x Bósnia-Herzegovina. Certamente um jogo que não será lembrado já no final do ano. Última rodada começando com a Argentina com 6 pontos, Nigéria 2 e os dois times em questão com apenas 1. Ambos empataram com a Nigéria que decepcionou no mundial.
– O Josimar está realmente interessado nesse jogo.
– Eu diria que mais do que os do Brasil.
– Mas que interesse se pode ter nesse jogo? Ambos já estão eliminados. Estão apenas cumprindo tabela.
– Lembra do Josué? O filho dele?
– Sim, claro. Fazia Ed. física.
– Pois é, ele é um dos bandeirinhas do jogo. 
– Que légal isso. Ele deve estar muito orgulhoso.
– Acho que deve sim estar, mas está 1 x 0 para a Bósnia com um gol ligeiramente impedido não assinalado por ele.
– Hum… entendi…
Fim do primeiro tempo e Josimar sente-se aliviado por que todos os comentaristas falam que foi por poucos centímetros e muito rápido o lance. Um erro completamente normal. A questão que atormentava Josimar era como classificar erros "completamente normais" para os "completamente anormais". Haveria os só "normais"? "Minimamente normais"? " Erroneamente normais"? Ele por hora sentia apenas "aflitivamente anormal se passando por normal". Restava-lhe torcer pela virada do Irã para que ficasse "despercebidamente normal". 
Pressão do Irã desde o começo da segunda etapa. O goleiro bósnio já havia feito duas defesas consideráveis no segundo tempo quando aos 18 minutos acontece a penalidade para os iranianos. Josimar já não disfarça mais sua torcida pelo Irã e vai se levantando praticamente junto com o cobrador do pênalti. Se sua torcida não era mais disfarçada, menos ainda a frustração quando vê a bola raspar a trave direita do goleiro que sequer chegou perto. Numa tentativa de adivinhar onde o cobrador colocaria, ele escolhe o outro lado. Não sairia nem na foto. A questão é que o jogo era bem morno. Dois países sem a menor tradição no futebol, jogando distantes de suas torcidas. Parecia que o público dali estava muito mais pelo evento em si do que pelo jogo. Para Josimar não. Era um jogo importantíssimo. O mais importante que ele já havia visto na vida na verdade. Fez questão de saber do outro jogo. 1 x 0 Nigéria e assim, ela fazia 5 pontos. Não alterava em nada o resultado do jogo. Passariam Argentina e Nigéria e o erro seria esquecido.
Jogo esquenta. Mesmo com um jogador expulso, os asiáticos pressionam os europeus. O goleiro continua pegando tudo. O Irã desperdiça chance atrás de chance. O centro-avante iraniano perde um gol feito dentro da pequena área. Duas bolas mandadas na trave, mas Josimar começa a relaxar com o todo. Ninguém sequer comenta o erro de Josué. A Nigéria que não ganhou de ninguém até agora aprontando uma zebra para cima da Argentina e minimizando o erro de seu filho. Com tanta pressão e um jogador a menos, começam a sentir o cansaço e o jogo fica meio morno. A Bósnia-Herzegovina até começa a sair para o jogo. Já são 5 minutos em que não sofrem mais pressão. Pelo contrário, passam a imprimir pressão pelo vigor físico e um homem a mais.
42 minutos do segundo tempo. Não parece mais um jogo de futebol e sim uma batalha medieval quando o centro-avante se redime do erro e recebe uma bola em lançamento em um contra-ataque. Ele que de bate pronto afunda para dentro das redes recebeu um lançamento em profundidade e embora tivesse cerca de um metro e meio de desvantagem do zagueiro, chegou na frente e empurrou para o fundo. O estádio inteiro comemora o gol pelo fator Davi-Golias. Josimar então, gritou como se fosse um gol seu, mas algo em campo aconteceu. Jogadores Iranianos se revoltam. Confusão, cercam juiz, depois correm para cima do bandeirinha. Aquele mesmo batizado Josué. O erro foi tão bisonho que ninguém entendia direito. O técnico do time persa, assim como outros dois jogadores fora expulsos. Agora eram 11 contra 8 e o replay mostrava claramente que o centro-avante tinha cerca de metro e meio de desvantagem quando o lançamento foi feito. Erro grotesco diziam os comentaristas. Os amigos de Josimar preferiram ficar calados.
Fim de jogo e a tv passa a transmitir o fim de Argentina 0 x 1 Nigéria.
– Meu Deus, meu filho errou nos dois gol, sendo que esse foi inacreditável. Irã deveria sair de campo vencedor.
– Cara, isso não muda nada. Argentina 6 pontos, Nigéria 5, Bósnia 4 e Irã 1….
Relógio de aproximando de 49 do segundo tempo. Falta na entrada da área. Messi. Sempre ele para decidir o jogo bate uma falta com perfeição. O goleiro nigeriano feito uma águia voa e coloca para escanteio. O jogador mais próximo vai cobrar. Meio minuto basta para a Nigéria se classificar. A bola é alçada na área e Agüero afunda de cabeça para desespero dos africanos que voltam a levar um empate. Terminam a primeira fase da copa com 3 pontos. A tv volta ao estádio da Fonte Nova na Bahia. Bósnia com 4 pontos se classifica, os jogadores comemoram como se fossem campeões do mundo enquanto vários iranianos são mostrados desolados ao chão. Josimar faz as contas. Aquelas que todos devem ter feito mas que ninguém teve coragem de comentar. Sem os dois erros de Josué, Irã 1 x 0 Bósnia-Herzegovina…

domingo, 5 de janeiro de 2014

Lu

Só sei que era Lu o nome dela. Quer dizer, como a chamavam e como adquiria a taquicardia. Lu, e uma descarga de adrenalina era injetada em meu coração sem a menor resquício de pena, mas quanto ao nome? Pra ser sincero, eu não sabia. Podia ser Luciana. Lúcia, Luana, Luzia, Luiza, Luisa…

Ficava esperando o ônibus das 7:35h, embora já estivesse na parada 7:20h para garantir que se ela chegasse mais cedo, coincidentemente eu também chegasse, mas ela parecia um relógio Suíço. Era inacreditável, mas 9 em 10 vezes, ela dobrava a esquina 7:31h e isso era quase uma ginástica já que ela vinha no sentido contrário do ônibus e não faria muito sentido eu estar olhando para o outro lado, mas, estava eu, disfarçado, escondido, verificando por trás da coluna se era 7:31h. Sábado era um terror. Acordava e ficava olhando o relógio eletrônico. Quando dava 7:31h era quase possível vê-la, sentir seu perfume e em casa comecei a perceber que 7:30h já começava a sentir a freqüência cardíaca subir. Claro que isso ao vivo foi piorando. 2 meses antes, o coração disparava 7:31h quando ela aparecia, mas agora? 7:29h, 7:30h eu podia sentir ele ir acelerando vagarosamente até explodir como o grito de gol entalado da torcida. Mas não era um gol qualquer. Era específico. Era gol do tipo penalidade máxima. Aquela expectativa, tudo se apronta, correu e ela surgia ali na esquina. A massa berrava Luuuuuuuuuuuuuuuuuuu. Ah… mas era a viagem do fim de semana né? Não a tinha por dois dias que demoravam muito mais que os cinco que a via.

Enfim, chegava a segunda e ficava esperando ver se ela ia olhar para mim. Não tinha como não olhar. Eram tantos os dias que não tinha como e então eu apenas esperava que fosse um dia sim. As vezes tinha 2, 3, 4 dias não e eu ficava arrasado, mas no dia que foi o sim com um leve sorriso, eu quase não pude me conter. Luuuuuuuuuuuuuuuuuuu, mas não era uma partida normal. Era uma daquelas em que se passava de fase. Era um passo a mais. Ao menos em minha imaginação, pois na real, era apenas um passo a dentro do coletivo. Percebi que ela sentava sempre na última fileira e eu assim fazia. Muitas vezes íamos lado a lado até e em minha mente, tinha altas conversas. Éramos já amigos íntimos. Era terrível se não houvesse dois bancos livres na última fila. Se tivesse só um, era dela e eu sempre ganhava um sorrisinho discreto de agradecimento. Foi assim por meses. Descia perto do Masp junto com ela apenas para forçar a coincidência. Tinha depois que andar cerca de dez minutos extra já que descia antes por ela, mas não havia o menor problema. E foi assim por alguns meses, duas vezes ela simplesmente não apareceu, 3 vezes ela chegou no ônibus anterior e eu podia jurar que ela já havia percebido isso, mas chegava a última semana. Depois, seria férias e isso tirou meu sono no final de semana.

Tinha que dar um jeito e falar com ela, mas tentou não se abalar com a segunda perdida. Terça ficou tão nervoso que se falasse alguma coisa, gaguejaria tanto que daria um vexame. Quarta após se policiar, conseguiu impressionantemente ficar calmo. Tão calmo que foi deixando os minutos passar, esperava o momento ideal, talvez quando descermos e não tivermos os olhos em cima de nós, mas simplesmente travei.

Não consegui dormir essa noite, mas consegui pensar um plano infalível. Eu tinha que tomar a ação e não tinha muito mais tempo, por isso, nem que eu esbarrasse nela, nem que eu pisasse em seu pé para poder naturalmente ser atabalhoado e com muita sorte, ela poderia até achar charmoso a minha falta de jeito. Podia ficar rindo do quanto eu era desastrado, mas, eu quebraria o gelo e assim, na sexta-feira, depois poderia falar com ela desde a hora que ela apareceria na parada, até a hora em que ela dobrava a esquina na av. Paulista. Era perfeito. Não tinha como dar erro.

Quinta: 7:29h…7:30h…7:31H…7:32h…7:33h…34,35,36,37,38,39,40. Era manter a calma. Ela estava atrasada e chegaria para o próximo ônibus. 41,42,43,44,45,46,47,48,49… e assim, ao melhor estilo Cebolinha com seus planos infalíveis contra a Mônica, tinha o meu plano infalível, falível… Nem fui para a aula. Seria a primeira aula e isso não me comprometeria de forma alguma e em casa, todas as versões possíveis de esbarrões, pisadas e trombadas aconteceram em minha cabeça.

Sexta e milhões de possibilidades passaram em minha cabeça. Ela poderia ter ficado de férias antes, poderia faltar de novo. Poderia várias poderencias, mas às 7:31H Luuuuuuuuuuuuuuu. E o ônibus? Tão vazio, tão calmo que fiquei inibido. Travei. Me maldisse. Me desanimei. Desisti. Desci cabisbaixo e letargicamente e nem a acompanhei até a sua esquina. No vão do Masp entrei nele. Queria olhar a avenida 9 de julho de cima e fui devagar. Se desse sorte, conseguiria ter 7:31H’s por mais alguns meses para conseguir. Estava decretada a minha dura realidade. Dois meses por acho para talvez poder ver aquela garota com óculos de armação vermelha e saber se ela era Luciana. Lúcia, Luana, Luzia, Luiza, Luisa…

Devo ter ficado uns 5 minutos olhando os carros lá embaixo passando. Senti um toque no meu ombro esquerdo e me virei de uma vez com um susto.

– Oi, meu nome é… – Lu – respondi já me censurando por assim não poder saber se ela era Luciana. Lúcia, Luana, Luzia, Luiza, Luisa…

– Notei que você não pisava nas junções das pedras que nem eu…



quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

DesConto de Natal

  • (imagem retirada da internet)

  • A minha lembrança mais remota? Um monte de crianças ao meu redor, assim como eu. Pessoas que hoje eu sequer saberia dizer onde estão, ou mesmo se estão vivas. A primeira pessoa que de fato me recordo é a Dona Ruth. A gente chamava de Dona Rude mesmo e me lembro dela escancarando aqueles dentes pra mim por alguma coisa que eu tivesse feito de errado. Confesso que não achava ruim. Talvez fosse o dito referencial. Eu só fui ficar realmente triste já na escola com a primeira reunião de pais e filhos. Nem a Dona Rude foi. Mandaram uma estagiária lá. Tentei fingir a mesma alegria dos meninos, mas não ensinaram o fingimento para a estagiária. Dali para frente, percebi a falta que o que eu não conhecia, me fazia.
    Entrar na adolescência com esse rombo espiritual foi difícil e notei que ele causava uma outra falta de suporte. O financeiro. Várias foram as ocasiões em que não pude participar de alguma coisa por que não tinha quem pagasse a minha cota. Eu meio que não ia percebendo o quanto isso era ruim, mas devia ser a minha defesa na época. Pelo menos, logo percebi que de dinheiro dava para correr atrás e depois de ser descartado por algumas mocinhas da época por algo que enxerguei como sendo a falta de dinheiro e então, corri ainda mais. Resultado? Trabalhei feito um alucinado, feito alguém que não tinha família (afinal, eu não tinha mesmo) e consegui fazer tanto dinheiro que não tenho nem como gastar.
    Como nunca tive família e por muito tempo, não tive dinheiro, eu era simplesmente descartado de qualquer convívio social e foi isso que as pessoas me ensinaram. De uma forma errada, que não me preenche, mas foi. Eu simplesmente não sei o que fazer com as pessoas. Eu só tratava bem os meus superiores por onde trabalhei e depois que eu cheguei no topo, me senti isolado. As pessoas também não esperam simpatia de minha pessoa. Que eu me desvie 2 minutos que seja para conversar sobre algo corriqueiro. Confesso que até tentei por algumas vezes, mas as pessoas pareciam estranhar demais. Uma vez no banheiro, escutei um funcionário falando para outro que eu só podia querer algo, ou estar tramando alguma coisa para ter sido tão simpático com ele. Fiquei alguns minutos a mais no banheiro, triste, escondido, até ter a certeza que eles já tivessem saído.
    É por isso que eu gosto do natal. Existe essa data socialmente aceita para que eu possa abraçar e sorrir todo mundo. O porteiro do prédio, os funcionários na festa que faço questão de pagar por tudo para que eles possam sentir o quanto gosto deles. Sei lá se gosto deles, ou busco a mim mesmo na aceitação deles. Eu sei que eles são amigos uns dos outros, saem juntos, vão aos botecos juntos. Eles passam o período longe daqui juntos. Essas redes sociais servem para que eu possa ver eles todos juntos em um carnaval sei lá onde. Eu tento me enganar mostrando fotos minha na Estátua da Liberdade, Torre Eiffel ou coisas do tipo. Fotos sempre só onde peço para um desconhecido tirar a foto, onde finjo o mais belo sorriso que a estagiária do orfanato deveria ter feito e volto para casa por vezes praticamente sem ter falado com ninguém. Não sei se bebo para esquecer ou para conversar com o garçom…
    Bom, deixa eu correr aqui por que o dia de natal são sempre dois não é? Vou abraçar mais pessoas e sorrir. Para finalizar a noite, eu vou doar mantimentos aos moradores de rua e nem fico alardeando por causa disso. Conheço pessoas que doam cem reais para uma instituição de caridade e sai no jornal do bairro, redes sociais, o carrinha do mercado comenta. Eu não ligo para isso. Eu só quero um abraço, ainda que ele seja só hoje. Amanhã, eu não tenho mais permissão para ser simpático...




quarta-feira, 24 de julho de 2013

Preciso escrever




Preciso escrever.

Preciso nada. Precisa-se respirar, comer e dormir apenas. O resto é complemento. Entrei na internet e comprei uma passagem rumo aquela garota desconhecida. Precisava conhecer a desconhecida, mas explicar que estava indo conhecer uma amiga era modernidade demais para a cabeça da dona Laura.
– E vai fazer o que no Espírito Santo meu filho?
– Ah mãe, é uma palestra aí do Vladimir Safatle falando dessas manifestações que estão ocorrendo no Brasil e no mundo.
O jeito agora era torcer para minha mãe não procurar informações sobre o evento que inventei. Devia ter inventado um nome também de um possível filósofo. E se ela me perguntar de fotos? Se eu filmei algo? Ah não…o livro… se ela me pede para ele autografar o livro? É, a mentira tem pernas curtas…
– Quando viaja meu filho?
– Hoje à noite.
– Mas já?
– Sim, a palestra é amanhã de manhã. Daí passo o final de semana para pegar uma praia, mas domingo no final do dia já estou aqui. Segunda trabalho né?

Fez questão de se esvair o mais rápido que pudesse do local para não ter que se enrolar com mais perguntas. Na verdade tentou começar a fazer a mala, mas a presença de sua mãe rondando o quarto me fez ir ao cinema rapidamente. Isso tirava as perguntas da mãe de minha órbita, mas me esmagava contra o relógio. Ia chegar em casa com o tempo suficiente para aprontar as coisas e partir. O filme era um francês fora do esquema Hollywood bem legal do qual não vou me recordar o nome daqui alguns meses. Vou lembrar que tinha músicas do Gainsbourg e do Jacques Dutronc.
Chegou em casa e a primeira coisa que encontrou em cima da cama foi o livro. – Me ferrei – pensei.
Meu pai aparece perguntando da viagem. – Vou ver o Alfredo – não querendo me enroscar mais ainda com a palestra inventada.
– Sua mãe disse que ia ver uma palestra do Safatle.
– Vou, mas é por que como ele está morando em Vitória, eu o verei também – Realmente eu sou burro. Fujo de uma mentira com outra é aumentar a mentira…

Fingi esquecer o livro, mas a mãe fez questão de me entregar ele na saída de casa, enquanto o pai me pede para perguntar para o pai do Alfredo quando ele viria por São Paulo… era bom não inventar mais nada…
Algumas horas de viagem. Precisava escrever e estava ali. A cabeça pensando. Uma leve expectativa sobre se valeria a pena. Um pequeno desconforto ao primeiro contato visual, mas o abraço foi tão caloroso que senti que não me arrependeria. Fiz questão de não ter pressa e por isso talvez tudo tenha sido tão veloz, mas havia momentos infinitos dentro dessa vertiginosidade e pensava por que ela e não tantas outras em minha cidade. Ela era de cara um problema geográfico. Muitos outros problemas haveriam de aparecer, mas a conclusão que chegou foi bem clichê, era ela por que era ela, por que pareciam dispostos a sermo-nos. Respostas fracas demais para quem saiu de casa dizendo que ia para um encontro filosófico. Químico no máximo. Físico, ou uma nova educação física durante as horas que passaram juntos? História de uma geografia que minaria minha matemática, mas enfim, voltava para casa naquele ônibus ouvindo Gainsbourg e Dutronc. Acho que por causa do filme. O livro, diria que tinha esquecido com o pai do Alfredo que estaria em São Paulo daqui 45 dias. Missão agora era encontrar Safatle em 45 dias para que ele autografasse o livro. Sobre o pai do Alfredo, foi via internet a observação. A questão que se passava em minha cabeça era como imaginar, tendo um dia de trabalho pela frente, um roteiro de um clipe que descrevesse as novas formas de relacionamento vindo da internet?

Quando enfim chego em casa, explico tudo aos meus pais e finalmente me deito, a insônia me perturba. Não tinha de onde e como tirar o roteiro.  O desespero começou a bater por volta da meia-noite. Se levantou, fez café, deitou novamente tentando imaginar algo e 5:07h dei-me por vencido. Teria que reconhecer na reunião que não fui capaz de pensar em algo. Tudo por que fui conhecer uma garota… fui conhecer uma garota? – Meu Deus, eu fui viver o roteiro – por algum motivo, desses que só quem se arrisca na vida, dei uma pausa quando precisava escrever justamente por que não tinha o caminho, mas agora? Levantei quase de um pulo.

Preciso escrever…

sábado, 24 de novembro de 2012

Transtorno




E em nossa relação, eles não vem de dentro, mas de fora. Eu poderia dramatizar dizendo que não vou mais aguentar viver sem você. Puro drama...aguenta-se. De um jeito ou de outro, aguenta-se e você está completamente certa em dizer que daqui a dois ou três anos, tudo isso possa ser apenas uma lembrança boa. A questão é que agora, nesse momento, não te ter aqui em casa é uma perda irreparável. Meus sonhos simplesmente desmoronam...

Amores, medos, amores passionais, mais medo ainda...o medo que não consigas vir. passionalidade. Muito medo. Problemas lá e cá, Lá não pode ir para cá. Em casa, mais problemas, mais medo. Cá não pode ir para lá...medo. Muito medo. Uma mistura de medos. Uma sobreposição de medos. Falta de coragem? Medo? É torcer sofregamente para que possa arrancar forças das próprias vísceras em busca...

É um gol tomado aos 43º do segundo tempo. Não existe muito mais tempo para reagir....tempo... o relógio a nos esmagar novamente, o medo novamente...

sábado, 13 de outubro de 2012

216

Estava acostumado a olhar o lado bom das coisas. Ruim como fosse uma situação, tinha como ter um olhar positivo sobre o ocorrido. Era simplesmente uma forma de enxergar o mundo e não reclamar das coisas, mas depois daquela tarde, ele simplesmente soube que dava para olhar o lado ruim de uma coisa boa.  

Sim... o cheiro dela se foi com o banho...

Estava quente. bem quente. Mais do que ele era capaz de suportar e um banho em uma situação dessa era mais do que bem vindo, mas querendo ou não, já havia sentido essa sensação inúmeras vezes, já aquela textura impregnada em sua pele com aroma de desejo era novo. Era a sapiência que havia um patamar acima de sua vida que ele nunca havia experimentado.


Sua vida parecia resolvida, o trabalho ia bem. O casamento ia bem, afinal depois de uns anos parecia normal apenas achar que está tudo bem. Não havia problemas ou brigas. Só era morno e não ser ruim era bom. Era...

O dilema agora era: fingir que nada aconteceu e seguir? E se simplesmente ele não coubesse mais dentro de si? 

Ele que tinha trinta e... quer dizer... 216 horas de vida. Acabara de concluir que nascera a 216 horas. Sua filha de oito anos era simplesmente mais velha do que ele. O de cinco também. Mesmo aquele pequeno filhote de 4 patas que ele afagou ao entrar no banho era mais velho do que ele. Todos mais velhos e experientes...

Isso tudo por que 9 dias atrás o seu carro foi para a oficina e ele teve que ir trabalhar de metrô. Ele realmente tentou desviar o olhar da garota que sentava-se a sua frente. Ana Helena apareceu com apenas uma função em sua vida: calar a boca dele que dizia que nunca ia sair de sua zona de conforto.

216 horas atrás, ele tinha certeza disso, mas 216 minutos atrás, ele soube que o seu corpo sabia todos os caminhos do corpo dela (ou seria o dela que sabia o dele?) Era como se sempre estivessem juntos. Era uma sincronicidade que o deixava perplexo e ele percebesse que o antes não tinha importância. Apenas as 216 horas...

O banho?
Sim... o cheiro dela se foi com o banho...


terça-feira, 8 de maio de 2012

Olhos cor de vida

Delegacia da Receita Federal. No meio de várias cadeiras típicas de repartições públicas brasileiras, aguardava a minha senha ser chamada no painel eletrônico. OPF 23. Procurava significado para a senha: "Operação Prato Feito 23"? "Óculos Para Festa 23"? Ouça Para Falar 23".

Um semblante jovial do outro lado da sala saltava daquela cena com tantas carrancas impacientes. O seu sorriso era tão leve que não tinha certeza se sorria, assim como Monalisa, mas os olhos, possuíam cor de vida e contrastavam com a de sua mãe sentada ao seu lado esquerdo. Se vislumbrar aqueles olhos já era um bálsamo, o que poderia usar para descrever a sensação de ser vislumbrado pelos olhos cor de vida? Olhos para felicitar-me. OPF 23.


A senha de sua mãe é chamada: APP 19 (Agora Posso Pensar 19) e tive centésimos de segundo de tristeza ao pressentir sua ausência, mas ela simplesmente não se levantou. Daí em diante, só pude suplicar aos deuses que minha senha fosse chamada somente após aqueles olhos saírem da vista dos meus. Como não ando em dia com os deuses, minha senha foi chamada, mas graças a burocracia, fui encaminhado para outro setor, outra senha: NRC 30 (Não Reclamo Contigo). Sim, contigo olhos cor de vida. Descobri que ela era capaz de alterar minha percepção temporal, Os próximos 12 minutos foram com ponteiros de minuto na velocidade da de segundos. Uma verdadeira injustiça.


Minha senha é novamente chamada. Aquele atendimento de quem parece estar aborrecido por te atender e os próximos 18 minutos reajustaram o relógio natural das coisas. Deve ter levado uns 45 minutos em minha percepção. Vejo a mãe daqueles olhos se levantar e toda a esperança que eu tinha de cruzar com aquele olhar escorria pelo ralo. Quando finalmente saio de lá com o DARF para pagar (Dinheiro Agora em Rota de Fuga). O serviço de "dog walker" que eu pensava em contratar ainda aquela tarde era excluído de meus planos.


Entro na banca de jornal e seu Jorge me avisa: essa é a "dog walker" que eu havia falado. Os mesmos olhos perfeitos que haviam me arrebatado, escancaravam o sorriso mais aconchegante que eu já vi na vida. Toda a resolução financeira que havia acabo de fazer, esvai-se. Olhos perfeitamente fantásticos... OPF 23...







sábado, 31 de março de 2012

Exercitando a dúvida

Estava na dúvida entre o tênis novo e o velho. Optou pelo conforto em seus tons enlameados. Quanto tempo resistiria a sola para romper-se por completo? Um, dois meses? Não importa, optou pelo conforto em tons enlameados...

Chegou na cozinha e resolveu tomar algo. Chá ou café? Optou pela bebida de sua família. O cheiro remetia-lhe as tardes sem fim na casa da avó onde tudo era alegria. Optou pela bebida de sua família...


Entre os quadros de John Coltrane e Tom Jobim estava seu porta-chaves do qual tradicionalmente não se encontravam e teve que perder alguns minutos para encontrar as suas e poder sair.


Metrô ou ônibus? Optou pela janela viva dos ônibus. Gostava de ver a diversidade das pessoas andando em dias ensolarados. Altos, pardos, crianças, esnobes, lentos, bem vestidos, embriagados. Embriagados? 11:00h da manhã? Embriagados? Já ou ainda? Estava na dúvida.


Gostava de sentar debaixo do vão do Masp e simplesmente deixar o tempo passar. Deixava que a paisagem em movimento ditasse para onde deveria olhar. Era como olhar para um caleidoscópio. Se por um lado não sabia qual a próxima cena que surgiria, parecia não haver grandes diferenças. Ali não tinha dúvida. Era olhar para onde os sentidos lhe chamassem. 


Sanduíche com refrigerante para sentir o peso em seu estômago ou o frescor do sorvete? Sorvete. Chocolate ou flocos? Chocolate. Uma bola ou duas? Duas. Duas ou três? Duas. Depois pensou de deveria ir ao cinema ou voltar para casa e na verdade exercitava-se entre as milhares de escolhas que tinha que fazer durante o dia. Qual não era sua alegria quando as dúvidas se ampliavam em mais de duas opções...


Voltar para casa de metrô, ônibus ou mesmo a pé? A chuva optou por ele dessa vez e no metrô pensava se havia sido a chuva ou ele. Escolheu Beatles em vez de Bob Dylan, apenas por que escolheu não ir ao show do deus country. Optou pelos deuses do pop.


Ligar ou mandar mensagem? Alô querida, resolvi ir direto para sua casa em vez de ir para a minha. Optou por uma trufa em vez de uma barra de chocolate, afinal a embalagem da trufa era bem simpática.


Olhou para as nuvens e não tinha dúvida do sol por causa do brilho que emanava.



Olhou para ela e não tinha dúvida do que sentia por causa do brilho que emanava.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Juju


Era uma tarde chuvosa. Aquela canção produzida pela água que caia deveria conter algum sonífero e sentiu-se completamente desencorajado em deixar a cama. Viu por algum tempo os pingos de chuva na janela e os desenhos abstratos que elas proporcionavam, mas aos poucos, seus olhos cederam.

Acordou de um grande susto com uma onda brandamente tocando-lhe o corpo na beira da praia. Não que seu susto tivesse passado, mas ter uma garota ajoelhada diante de si com água de coco para ele beber era ao menos mais reconfortante do que estar ali perdido. Seus olhos verdes penetraram-lhe a alma com mistério e doçura.  Ela estendia o braço com a fruta para ele sem que tirasse os olhos dele. A boca era tão sutilmente arqueada que ele não sabia se ela internamente sorria. Percebeu então que estava com a garganta ressecada. Poderia ter passado horas deitado naquele sol. Também sem tirar os olhos dela. Olhava seus cabelos pretos cortados acima dos ombros sendo embalados pela brisa do mar. Suas mechas pareciam dançar com as folhas das palmeiras que estavam cerca de 20 metros ao fundo. Uma pintinha próxima à boca conferia-lhe um charme todo especial, mas ela começou a causar um certo desconforto quando ao descer pouquíssimos centímetros encontra uma boca que parecia ter sido esculpida. No imediato milésimo de segundo em que tomou a última gota, encontra já seu braço estendido como quem já soubesse que ele havia terminado. Ele perguntou-se se haveria sido coincidência ou ela simplesmente sabia. Ela se levantou e ele simplesmente sabia que devia segui-la. De pé, notou que ela passava pouco de 1,60 m de altura. Tinha a parte superior do biquíni que mostrava um bronzeado de quem já estivesse ali por dias e uma canga lilás, com umas listras não simétricas. Terminava com uma espécie de franjinha que roçava-lhe as panturrilhas. Em silêncio ele sentia-se apenas feliz e seguro. Quando enfim chegaram debaixo de uma artesanal barraca com folhas de palmeiras, ela se virou para ele e embora ele notasse que ela parecia ter envelhecido alguns anos da beira da praia até ali, notou-a mais bela ainda e com certeza ele teve o melhor almoço de sua vida e não acha que foi pelos pratos servidos apenas, mas pela presença daquela misteriosa garota. Depois de comerem, ela andou com ele até uma rede que estava armada entre duas árvores e cochilaram juntos. ela deitada sobre seu peito com uma mão delicada sobre suas costelas e ele deliciando-se com o aroma daqueles cabelos. Ao acordar, percebeu que sua mão parecia diferente e já sem espanto e sim com serenidade e alegria por tê-la ao seu lado, percebeu que ela aparentava ter quase 30 anos. Parecia ainda mais bela. Era a mais bela de todas. Brincaram na praia, correram, rolaram na areia, nadaram juntos até que notou-a um pouco mais envelhecida, mas formosa. O sol começou a se por e voltaram para a mesma tenda. Um jantar sublime estava posto sobre a mesa e ele não conseguia tirar os olhos dela enquanto comia. Uma face serena e confiante, embora agora fosse possível notar uns cabelos brancos. A mesma rede e a mão dela agora estava em sua face e havia um pequeno lençol de seda que envolvia-lhes dando a sensação que ali dentro estava o mundo. Foi o sono mais confortável e revigorante que alguém poderia ter.

Não ficou surpreso ao notar que ela aparentava uns 70 anos. O desjejum de frutas tropicais pareceu ser feito sob medida para o vigor físico que tiveram na praia algum tempo depois. Apostaram corrida, brincaram na água, na areia ou mesmo subindo em algumas árvores. Finalmente deitaram-se na praia. Ele repousou a cabeça em sua coxa e sentiu um cansaço lhe abraçar. Ele sabia que era hora de partir. Finalmente resolve perguntar o nome dela e antes que ele abrisse a boca ela responde – Juju. Seus olhos pesaram e ele adormece.
 Foto retirada da internet
O despertador toca. E ele tocava apenas para o acordar quando ele adormecia no fim da tarde e acordava no limite do horário. Não que estivesse atrasado, mas teve que levantar correndo, tomar banho e sair para a faculdade. A chuva havia na verdade apertado e como o ponto de ônibus era em frente, esperou da porta de sua casa para ficar abrigado no toldo, mas finalmente o coletivo chega e ele corre para debaixo do abrigo do ponto. Uma garota surge correndo de outra direção e não ouve como evitar uma leve colisão. Embora leve, o suficiente para derrubar os livros de ambos que se abaixam para os pegar. Sentiu uma taquicardia disparar dentro de seu peito quando viu aquele rosto, aquela cabelo, aquela pintinha sobre uma boca que sorria meio envergonhada pelo que estava acontecendo, mas pensando rápido. disse que ela devia dar sinal ao ônibus enquanto ele pegava tudo. Naquela chuva, demorar 5 segundos a mais poderia ser o suficiente para que o motorista não os visse agachados e perdessem o ônibus. Quando o transporte para, ele está dividindo os livros de um e de outro ainda. Ela os pega na hora em que pousava o primeiro pé na escada. Ele atrás entrega-lhe os livros para o mesmo sorriso. Ele então pergunta algo do qual acredita saber a resposta:
- Qual seu nome?
- Juju…

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Podia ser a felicidade

Sigo pela estrada escura. Agradavelmente fresca e silenciosa. Ela estava no contra-fluxo de minha mente que estava presa em um engarrafamento ferrenho. Lutava um pouco contra a fome para continuar prosseguindo e chegar em uns restaurante grande e movimentado que eu já conhecia. Isso deveria levar mais uns 20 ou 25 minutos. Esqueci do tempo por lembrar dela. Esqueci dela para enxugar as lágrimas que escorriam minha face. Esqueci delas quando cheguei no restaurante e vi que demorei um pouco mais do que pensei. 38 minutos para ser exato e lembrei então que minha fome era colossal.

O restaurante estava muito movimentado para o horário. Olhei nesses relógios de parede que todo estabelecimento costuma ter e ele acusava 4:52h. Não era preciso ser gênio para perceber que aquele povo estava praticamente junto. Uma excursão. Algo do tipo. Adolescentes bonitos que deveriam gastar de mesada o que só fui conseguir aos vinte e tantos trabalhando feito uma máquina. Não lamentava isso no entanto. Aprendi algumas coisas que eles jamais aprenderão, assim como o contrário.

Pedi um sanduíche natural e um suco de laranja e dividi uma mesa com um senhor que parecia não fazer parte da turma. Por cima de seus ombros via a turma animada comendo, brincando, rindo. Isso eles só saberiam o quanto era bom quando não mais tiverem uns aos outros. Existia uma no entanto mais calada na mesa exatamente atrás dos ombros do tal senhor. Primeiro achei que ela apenas era mais quieta. Depois percebi que ela tinha uma idade bem superior aos garotos. Prestei atenção ao grupo e percebi mais 3 na mesma faixa etária e pensei ser mais do que óbvio alguém mais experiente para supervisionar aquelas pululantes vidas.

Houve uma hora que achei que ela também me notava e apenas por isso pedi uma salada de frutas. Queria mais alguns minutos olhando para aquela garota para enfim voltar para a minha vida, mas chegou a hora de enfim partir. Não fazia sentido para mim ficar mais tempo ali por nada. Levantei, dirigi-me ao caixa e pude receber um leve sorriso acompanhado de um par de olhos que demonstrava por um lado um certo constrangimento. Uma leve taquicardia e nervosismo juvenil aposou-se de mim. A essa altura, já havia cerca de 8 ou 10 do lado de fora correndo e brincando do lado de fora.

Nessas coincidências que você agradece aos céus por ter acontecido, entro em meu carro que estava exatamente parado na frente dela e o vidro me deixava ver que ela continuava olhando. Fiquei mais nervoso e até demorei para ligar o motor. Fingi estar mexendo no celular, mas sentindo-me ridículo dou a partida do carro e dou uma última olhada para ela que mudamente gritou-me um chamativo tchau. Pensei em parar o carro e ir falar com ela, mas enfrentar um batalhão de adolescentes não era a minha idéia para o momento. Culpando-me manobro o carro e viro-o para a estrada que deveria ser vencida. A última olhada no retrovisor me fez ver que todos se dirigiam ao caixa, ou a saída. Exceto uns outros poucos clientes dos quais o senhor de minha mesa e ela. Praguejei-me de todas as formas por não ter percebido que ela simplesmente não fazia parte do grupo e estava só também e hesitei voltar ou não. 

Apenas na auto estrada decidi-me por voltar. Nada de retorno e não fosse ela dessas com um canteiro central em forma de um pequeno canal e o teria atravessado. Deve ter demorado uns 12 minutos entre eu achar o retorno e estar de volta onde a tal garota estava. Parei exatamente no mesmo ponto já percebendo que ela não estava mais na mesa. Algum tempo depois constato que no Caixa também não e esperei cerca de 15 minutos para ver se ela surgia do banheiro ou qualquer outro canto. Quem surgia no horizonte ao meu lado direito era o sol. Sabia que tinha vacilado e adentrei o carro para ganhar a meia hora perdida com minhas estratégias e conclusões erradas.

Pensei em correr, mas estranhamente vim mais devagar ainda. Parece que algo realmente bom tinha me aparecido na vida e eu simplesmente havia deixado ela passar. Sim, podia ser a felicidade e deixei ela ir encontrar outra opção na vida.

De toda forma, estava chegando na grande São Paulo com seus vinte e tantos milhões de habitantes. Muitas outras oportunidades passariam e eu teria que saber agarrar...

Foto por Demétrius Carvalho

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

O sentido do sentido

Estava frio. Absurdamente frio. Devia ser o dia mais frio do ano em São Paulo. Algo em torno dos 5ºC. Uma grande xícara daquelas em que se toma ensopados era para uma grande quantidade de café. Adorava aquele aroma. Sentado na escada que dava para os quartos, segurava-a com as duas mãos sentindo aquele tenro e aconchegante calor abraçar-lhe. 
– Rose, confere aí na internet quantos graus 'ta' fazendo.
– 12 querido.
Não interessa – pensou – estava frio pra caramba, enquanto cantarolava uma música de Juliana R.


Si no me escuchas
No me comprendes
Si no me comprendes
No me conoces
Si no me conoces no valgo a nada
Para ti

Kate brincava com um cordão preto e parecia a única criatura no ambiente plena, feliz. Não havia preocupações naquele rostinho de "focinho rose" como costuma dizer para brincar com sua mulher. Aquilo era viver. Sua vida tornou-se uma correria tão grande que não conseguia mais enxergar sentido nela.




Pensou em ir ao cinema, mas sentiu a preguiça agarrar-lhe as pernas, sentiu Rose agarrar-lhe as pernas, sentiu suas pernas agarrar-lhe as pernas e viu que Kate finalmente agarrava-lha as pernas querendo participar do bando. Sentiu que não precisava sentir mais nada para as coisas fazerem sentido...

domingo, 10 de outubro de 2010

Praia da esperança



Era um dia bonito. O vento fazia as folhas das palmeiras dançarem produzindo uma gostosa canção em nossos ouvidos. O sol esquentava e a as ondas refrescavam aquela dezena de pézinhos sentadas na beira do mar. Ninguém falava nada. Todos com os olhos atentos naquele que deslizava em sua prancha dentro da mar. Ele era o melhor. Suas manobras eram as melhores. Inquestionáveis. O pequeno grupo se reunia todos os dias quando ele chegava. Uma palavra ou outra. As vezes um levantava para pegar uma água de cocô, ou comentava com o garoto ao lado aquela nova manobra.

Havia dias que ele ficava menos de duas horas no mar e mesmo em dias em que beirava 5 horas, a cena não se alterava muito. Depois que ele saia do mar, tudo se transforma. Uns iam  para dentro do mar, outros jogavam bola e sempre tinha um garoto que o acompanhava ao fim. Queria conversar com ele. Na maioria das vezes, passava tanto tempo com ele que não conseguia entrar na água para arriscar suas manobras. Ele era o mais franzino do grupo e sem treinar, seus amigos realmente não acreditavam que ele pudesse ser bom.

Os anos passaram-se e nosso herói marítimo se aposentou. A maioria dos pequenos garotos haviam tornado-se já adultos. Estavam entre 18 e 21 anos e logo apareceu um outro surfista que se destacava. Embora ele fosse realmente muito bom, todos comentavam que ele não chegava perto de seu antecessor. Na frente deles no entanto, ele era realmente muito bom. O grupo não passava mais horas vendo o novo dono do mar. Estavam ali lado a lado dele e quando saiam do mar ficavam discutindo manobras. Menos ele que ia na cabana do herói.

No grupo falava-se também que se nem o novo dono do mar era capaz de vencer o herói, ninguém jamais poderia fazer isso. Mais uns anos se passaram e de fato nenhum deles conseguia chegar perto do dono do mar. O franzino rapaz acabou sendo de fato o mais magro na frente dos outros e com o passar de uns dois ou três anos, alguns começaram a desistir. Três deles pararam por total e tirando mais uns dois ou três, o restante parecia ter o seu nível cada vez mais baixo. Finalmente o franzino chamava a atenção deslizando suas ondas e todos os outros diziam que era por que todos estavam parando ou desistindo. Sobrava apenas ele. Todos riam dele. Ele também ria de seus amigos e voltava para a cabana do herói...

Final do circuito mundial de surf. Na bateria final o dono do mar e a surpresa do campeonato. Todos estavam impressionados com a surpresa, mas sabiam que a vitória seria do dono do mar. Todos, menos duas pessoas...

45 minutos depois e 3 ondas para cada um dos concorrentes e ninguém podia acreditar no que havia acontecido dentro daquele mar. As melhores ondas surfadas em todos os tempos. As notas finalmente superavam as notas do herói. Incrédulos, todos ovacionavam a surpresa do campeonato e finalmente ele chega ao pódio para receber o troféu do melhor de todos os tempos. O herói se aproxima dele com os olhos marejados de lágrimas e entrega-lhe o troféu. Com microfone em mãos pergunta-lhe:

– Conte-nos franzino indomável como conseguiu fazer isso.
– Todos os dias quando eu ia em sua cabana, você me incentivava dizendo que enquanto eu tivesse esperança, poderia chegar onde quisesse...

Enquanto se abraçam com lágrimas correndo-lhes a face, seus amigos, o dono do mar e todos os outros aplaudiam o Franzino Indomável...

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Salvando o dia


Acordo poucos minutos antes do meio-dia. Não fosse a insônia habitual e teria dormido bastante, mas acostumei-me a ver o céu mudar a sua cor. Ainda antes de levantar-me, percebo que outra companheira sempre presente em minha vida também estava ali, mas dessa vez parecia vir com marretadas em minha cabeça. Letargicamente enfio-me debaixo da ducha tentando sentir um pouco de prazer em minha vida. Mas a tristeza que me obrigava a sair dali poderia enfim ser consolada enquanto eu apreciava o meu desjejum...mas não o apreciei. Aquilo era um presságio de que meu dia realmente seria enfadonho. Na caixa de correios, uma multa de trânsito que terminaria por minar a minha saúde financeira. A física devo ter perdido uns 4 ou 5 anos atrás em um boteco e a mental não deveria ser eu a pessoa a julgar.Ainda existia uma busca por algo que reconforta-se o meu dia.

A música. Sim...sempre ela. Peguei os fones de ouvidos que foram acoplados ao meu celular. Ao menos isso me congelava em um mundo paralelo e juntamente com meus óculos escuros e uma cara de poucos amigos e ninguém ousaria falar comigo pelo menos até chegar aquele banco onde eu teria que vestir a carapuça de simpático caixa. Extremamente irritante ser agradável a força. O volume tinha que estar razoavelmente alto para as pessoas pudessem perceber o quanto eu era malvado. Rage Against The Machine fazia bem sua função. Acho que meu som empolgou São Pedro. Enquanto Zack de La Rocha berrava "Bulls on Parade". O Santo provedor das águas derramou toda a que podia sobre a minha cabeça.


Foto por Demétrius Carvalho

Resultado: Adentro o metrô já sem o som ou os óculos escuros. Isso era desesperador naquele momento. Estava sem disfarce e completamente a mercê de qualquer criatura simpática. Lógico que ela apareceu em forma de uma encantadora senhora que simpaticamente conversava comigo. Droga. Pelo menos no banco eu era pago para ser legal e simpático, mas ali. DROGA! Os poucos minutos até a minha estação pareciam não ter fim. Finalmente quando chego no banco e checo minha conta, vejo que uns depósitos não haviam caído. Lindo. Não teria dinheiro para pagar o aluguel e 10% a mais amanhã, somado a multa de trânsito era quase dar um tiro no pé e alguém dizer para você sorrir. Acho que era bem por aí. Nada naquele dia era capaz de espantar essa nuvem negra de minha cabeça.  

Finalmente estava eu ali dirigindo-me ao caixa para ver e manusear dinheiro o dia todo. 1% do que girava em minhas mãos por dia era o suficiente para solucionar meus problemas. Para piorar, logo no primeiro cliente, pego um que não entende algo em relação a sua conta de celular e simplesmente ele não entendia como eu poderia não entender da conta dele. Confesso que por uns 5 segundos não escutei uma só palavra do que ele estava berrando sobre mim. Não foi pelos gritos que afastei-me um pouco, mas sim pelo fato da minha elegância paga pelo banco que não permitiria que eu dissesse que ele não precisava me cuspir. Quando afastei-me, levantei novamente a cabeça e em seu peito, um brochê do time que eu mais odeio. Como o banco não me pagava pelos meus pensamentos, vi-me arrancando a caixa registradora e saltando por cima da cabine que nos separava. Em minha cabeça isso era em câmera lenta e em silêncio profundo. O som só se restabelecia para ouvir o som do sangue escorrendo-lhe da testa bem vermelho em um enquadramento preto e branco. Devo estar vendo muito filme do Tarantino...melhor voltar para a vida real.

O cliente (não podia chamar aquela anta de animal) ainda berrava e o sinal sonoro em meu celular de que uma mensagem chegava foi uma covardia. Não havia pior hora, local para receber essas mensagens. Peguei a conta da mão do infeliz como quem fosse tentar entender o seu problema. Era a forma que eu era pago para mentir. Dobrei apenas para a área restrita do banco. Nem olhei para a conta. Já sabia que lhe diria que ele ia ter que entrar em contato com a operadora. Queria apenas ver a mensagem em paz.

Oi Querido. Acordei pensando em vc. Acho que me enfeitiçou.  Não vejo a hora de acabar seu dia pra eu te fazer carinho...

Parece que um banho de bálsamo em um dia de spa arrebatou-me aos céus de tal forma que nem mais senti o dia passar.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010



4:08h da manhã. Toca o telefone. Na verdade eu já sabia quem era antes mesmo de atender. 
 – Estou na sua porta  – falou-me aquele rouca e sensual voz.
Nem respondi... não precisava... desliguei o telefone e fui abrir-lhe a porta. Ela estava linda como sempre. Um longo vestido preto de seda. Uma insinuante fenda em sua coxa direita parece estar no limite do charme e do vulgar. Devo confessar que embora estivesse com a cabeça distante, perdi alguns milésimos de segundo ali. Uma fina alça em um ombro sem mangas que descia em um ângulo de 45º ao outro braço que embora não tivesse alça, tinha uma manga comprida. Coisas de mulher. Os homens nunca usariam coisas do tipo, mas tudo bem. Ela estava bela. Como qualquer homem, não notava o que exatamente o que ela tinha feito quanto a maquiagem. Na verdade, as curvas de sua cintura prenderam-me por outros milésimos de segundo.

 – Quer um chá?  – Perguntei-lhe mais por educação do que qualquer outra coisa.
 – Você sabe que não.

Enquanto fazia o chá, pensei em falar algo, mas resolvi aguardar ela tomar a iniciativa. Dessa forma, os 18 minutos da cozinha passaram-se em absoluto silêncio. No entanto, as 4 ou 5 vezes que a olhei, fui ferido com um olhar penetrante. Presente com um sorriso que poderia competir com a de Monalisa em sua serenidade. Só lavei a xícara para ver se ela falava algo e o fiz demoradamente, mas não havendo mais o que por ali fazer, chamei-a apenas com um gesto de cabeça e ela acompanhou-me.

Quando entrei no quarto após ceder-lhe passagem, fiquei com vergonha de meu quarto. Eu poderia justificar o quadro de Frank Zappa sentado em um vaso sanitário como sendo algo de valor artístico, mas a bagunça de minha cama, um par de meias usadas no chão, duas xícaras de café na mesa e principalmente uma cueca que estava na estante do quarto que fiz questão de tentar esconder, não dava para justificar. Ela continuava com um semblante inabalado e parecia ler meus pensamentos.

 – Não se preocupe. Você sabe o que vim fazer aqui.

Pedi licença para ela  – Gostaria de trocar de roupa  – e fiz menção de sair. Fui sob sua concessão com a cabeça que sustentava aquele enigmático ar de calmaria. Quando voltei para o quarto, ela estava já sentada na cadeira que ficava na lateral direita de minha cama. Deitei e ela ficou me olhando. Sua face definitivamente não era desse mundo e não conseguia entender aquele leve sorriso do qual não sabia se era pena, desdém, carinho, atenção, ou seja lá o que fosse por mim. 

Era 5:03h quando olhei para o relógio e fiquei fitando-a, tentando decifrar o que ela ali estaria fazendo. Muitos minutos passaram-se. Ao longe, podia ouvir os primeiros cantos de algum pássaro e ainda percebi quando o céu começou a mudar de cor. O que ocorria cerca de 10 minutos antes de 6:00h. Sei apenas que queria continuar o jogo com ela, mas o azul que invadia os meus olhos inebriou-me de vez...

Triiiiiiiiiiiiimmmm Triiiiiiiiiiiiimmmm Triiiiiiiiiiiiimmmm 
Triiiiiiiiiiiiimmmm Triiiiiiiiiiiiimmmm Triiiiiiiiiiiiimmmm 
Triiiiiiiiiiiiimmmm Triiiiiiiiiiiiimmmm Triiiiiiiiiiiiimmmm 

11:00h. Desligo o despertador e um bilhete com um beijo de batom:

Precisando ou não de mim
Querendo ou não a minha presença
Você sabe que eu sempre estarei com você...








Com amor, Insônia.