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sexta-feira, 14 de outubro de 2016

42k em 42 anos

Foto: Daniela Gianelli


Buenos Aires, 9 de outubro de 2016

7h25 da manhã. Temperatura de 7,6ºC. Um medo apertado mas agora era ir. Faltavam 5 minutos para a largada da maratona.

42k em 42 anos é uma alusão à idade que tenho atualmente e o desejo de fazer os 42k aos 42 anos. 7h30 e é dada a largada que deu-se de uma forma impressionantemente tranquila (o fato de ser uma prova onde só havia a distância da maratona impediu o efeito do estouro de manada). Fiquei socado no meio de milhares de corredores e meu pace no primeiro minuto foi de 7:05 mas me mantive tranquilo. A compactação de corredores no entanto me preocupou por volta do quinto minuto. Precisava me desvencilhar do restante para não prejudicar muito meu tempo final (embora eu não tivesse certeza de que conseguiria). Fui para a calçada e consegui desenvolver um pouco mais de velocidade e a mantive sem maiores problemas até o k 7.8 onde havia uma subida razoável para uma maratona praticamente plana. Até mesmo pelo fato de ser muito no início da prova e sequer senti esforço para vencer esse trecho.

Alguns poucos metros passava ao lado do Obelisco da cidade. Um ponto turístico em uma rua com um ar que mistura a av. Paulista com as imediações do Ibirapuera. Gente nas ruas incentivando e eu pensei que tinha que curtir muito aquele momento, pois ainda havia muitos quilômetros pela frente para sentir a dureza da prova. A primeira por sinal já me incomodava. Consegui chegar ao ponto de largada 7h15. A vontade de urinar foi vencida pelas gigantescas filas para os banheiros químicos. Acreditei erroneamente que ela passaria e por volta do k 15 ela realmente começou a me incomodar. O que piorava a cada posto de hidratação onde bebia um pouco de água (por uma série de razões que outrora posso comentar, bebo bem mais água, isotônico ou o que for durante as provas).

Entre os k 18 e 19, adentramos um bairro bem simples de Buenos Aires e passando em frente ao estádio do Boca Juniors alguém grita "dale River". Lá como cá torcedores do Boca em resposta começaram a cantar alguma música do Boca.

Um pouco depois do k 19, adentrávamos um setor portuário e a essa altura eu já pensava em ter que parar para urinar até em que passei por mais um "Dj point". Eram dj's distribuídos durante a prova para dar aquele gás nos corredores com o som. Tocava "Sympathy for the devil" dos Stones e me perdoe meu Deus, mas o diabo me deu uma força com essa música que até esqueci momentaneamente a vontade de ir ao banheiro.

No k 21, onde temos o que seria a distância da meia maratona, um relógio que mostrava que eu estava dentro do tempo previsto (muito no limite pelos minutos iniciais perdidos, mas estava), mas o tempo começa a correr de mim (e não comigo) no k 24 quando a vontade de urinar já se fazia em forma de dor, afinal, continuava minha tática de hidratação e cada gole era um desconforto. Eu tinha que decidir se parava para ida ao banheiro e perdia alguns segundos ou se eu comprometia toda a prova não sabendo como responderia o meu corpo com mais 18k segurando essa vontade.

Dei uma saída para uma rua lateral e perderia alguns segundos, mas simplesmente não parava mais. Deve ter sido quase um minuto e vendo a multidão ir embora. A tal multidão era ainda muito compacta e perdi o contato das pessoas que corriam comigo por quilômetros mas se por um lado, perdi talvez um minuto, parece que voltei sem um peso (literal) e essa descansada me vez correr bem mais confortável por vários quilômetros.

A coisa começou a pesar mesmo depois do k 30. Não só pelo tal "paredão" do qual na verdade eu já nem estava mais preocupado com minha parada para o banheiro, como pelo fato que pegamos um vento que inicialmente pensei ser só minhas forças se esvaindo, mas soube que o vencedor do ano ano passado com 2h12 foi o mesmo desse ano que chegou reclamando do vento que lhe empurrava. Esse ano ele fez 2h30. O sol abriu pesado contrário as previsões do tempo e já era possível ver o desconforto na face de muitas pessoas, gente caminhando, mancando. Eu tive que me concentrar muito pois naquele momento, era puro sofrimento e tínhamos uma subida considerável de um viaduto no k 36 e ele foi quase mortal. Tanto que eu praticamente trotei por quase um quilômetro ao seu término. Já começava a fazer contagem regressiva. Os trechos mais difíceis haviam sido superados. Avistei então uma pessoa na minha frente caminhando com um rosto de quem não sabia se continuava ou desistia. Por essas grandes coincidências da vida, ele estava com a camisa de meu time e antes de chegar nele cantei o primeiro estrofe do hino, ele cantou o segundo e começou a correr novamente, cantei o terceiro e do quarto para frente cantamos juntos até o fim. Chegamos em um pequeno declíve e ele chorando me agradeceu. Esse pequeno declíve subia de volta logo após passar por um viaduto. Eu acho que só continuei para dar forças para ele que começou a chorar novamente e caminhar e me despedi dele falando que só faltava 4k e que agora seria plano e que ele não parasse. Ele concordou com a cabeça e fui para 2k infernais...

Ajudar esse corredor me ajudou e muito. Se de alguma forma se isso chegar em você, saiba que me ajudou muito. Depois foi terrível chegar ao k 40. Eu que nunca havia chegado nessa distância vibrei muito mentalmente e não pararia mais de forma alguma. k 41. Já estava dentro do parque de volta. Meu marcador já contava os 42k que viraram quase 43k no de muita gente mas eu estava impressionantemente inteiro. Ao longe eu pensava ver a chegada com luzes verdes piscando que era uma ambulância. Depois disso, com os olhos fixos para frente eu tomo um susto, uma voz familiar do meu lado gritando "Vai, vai. não para, está bem ali, você conseguiu". Era a minha mulher que pegou em minha mão e correu uns 800 metros comigo. Dei um beijo nela e todo mundo em volta vibrou e aplaudiu. Disso também nunca me esquecerei e ela de calça comprida chegou cansada. Ela imaginou que eu chegaria mais lento, mas fiz meu último k com pace de 5'16" embora tenha sido a adrenalina e energia do final. O tal do sprint final, pois meu rendimento já estava abaixo disso.

Cheguei, chorei, agradeci e embora não tivesse de forma alguma arrependido, queria ver como meu corpo reagiria para ver se vale a pena continuar nessa.


Como já escrevi anteriormente, tenho uma maratona inscrita apenas para abril agora e por hora quero apenas descansar. Estou incrivelmente bem e inteiro. A vontade de ir para a rua correr é imensa, mas só 10k domingo que vem em uma prova já em São Paulo que farei curtindo a prova. Será o recomeço lento. Sem corrida desenfreada por baixar tempo.

Em tempo, me perguntam o que faço profissionalmente. Sou músico.

Os textos anteriores sobre como cheguei na maratona se encontram percorrendo o blog (assim como o da São Silvestre).

domingo, 2 de outubro de 2016

O lado que ninguém conta de se chegar em uma maratona III

Veio a segunda meia maratona onde completei o percurso correndo. Foi difícil? Sim. Me trouxe alegria? Sim e então a vontade de novos desafios. E nesse aspecto, creio que exista uma lacuna entre as distâncias. Não são comuns corridas com mais de 21k e menos de 42k para aos poucos ambientar o aspirante maratonista, mas das possibilidades que se mostram aos corredores de rua, temos a Maratona de São Paulo que oferece e alternativa de 15 milhas (ou 24k). Já é algo e fui eu para mais uma prova.

Querem a boa ou a ruim? 

A ruim é que foi uma prova debaixo de um calor nada confortável e eu continuava naquele processo de não estar cem por cento e continuar correndo (um pouco da teimosia de corredor que conhecemos, mas que pode acabar com o futuro em tal prática). Por volta do quilômetro 17, senti que "quebraria", então me preparei mentalmente para concluir 21k (ou mais uma meia maratona) e continuar como desse o restante. Assim foi. Sinalização de 21k e dei uma caminhada para retomar o fôlego. A boa notícia é que daí para frente eu não quebrei mais nenhuma meia maratona (vou considerar as 15 milhas como meia ok? Tendo então 6 meias completas e a primeira que quebrei faltando cerca de 600 metros).

Mas sabe qual foi a melhor do que a boa?

Comecei a chegar cada vez mais inteiro ao final das provas, fui conseguindo melhorar meu tempo (embora ache que se você não é profissional, esse não deve ser o seu único foco).

Meia maratona de Campinas (Foto: Daniela Gianelli)


Abro aqui um parêntese. Não sou corredor profissional ou sequer profissional da area de saúde ou esportiva, então não há embasamento científico do que aqui vou dizer. É apenas a sensação que tenho como praticante da corrida. Dentro desse raciocínio, quem me conhece de perto sempre ouve eu falando: 5k todo mundo que quiser, salvo algum problema, com um mínimo de disciplina corre. 10k seria mais do que ótimo para deixar a saúde em dia. A São Silvestre com seus 15k seria o a prova de superação das pessoas normais, mas ok, se você realmente está adaptado ao mundo das corridas e realmente ama o que faz, 21k ok. Daí para frente, acho que algo acontece na nossa cabeça, pois a maioria das coisas envoltas à maratona é desumano, desnecessário. Sem contar que não tem como, vai afetar sua vida e de seus familiares e pessoas que convivem com você.

Acho que muitas pessoas não deveriam se aventurar nessa viagem (inclusive eu), mas, uma vez que você comprou briga...

Os treinos para uma maratona não precisam necessariamente chegar aos 42k ou até mesmo mais como imaginei inicialmente, mas a carga e o desagaste vai cobrar um preço grande de seu corpo, articulações e até mesmo sanidade mental. Você vai ter que ler bastante sobre o assunto e ouvir pessoas que passaram pela experiência. Elas podem realmente te ajudar muito e você pode perceber inclusive que aquilo que funciona para a maioria das pessoas, não serve para você. Eu teria uma infinidade de coisas para falar a respeito e posso vir a entender minhas palavras sobre. Por hora me detenho no mito do paredão por volta do quilômetro 32. Bem fácil de pesquisar na net para quem desconhece o assunto, mas é uma hora que seu corpo parece não responder mais e os 10k finais se tornam infinitos e inacabáveis.

Pois bem, tenho algumas vantagens ao meu favor quando corro como aguentar o frio de uma forma que todos se surpreendem, mas talvez pela minha compleição física, com quase 1,90 de altura e assim tenho uma sobrecarga para carregar que talvez não me capacitasse inicialmente à este esporte. Resumindo, Me divirto e muito em uma meia maratona hoje em dia. Depois daí eu sofro por uns 3 quilômetros e simplesmente o meu paredão chega por volta dos 24k. Ou seja, daí para frente é um sofrimento que não em faz muito sentido ter como estilo de vida. Volto a lembrar que sofri em meus primeiros 5k, 10k, São Silvestre, 21k, mas depois todos tornaram-se prazerosos.

Daqui exatamente uma semana estarei disputando minha primeira maratona em Buenos Aires. Vamos ver como as coisas ocorrerão...

Por hora vamos ficar com a parte boa? Chegada da Run The Night noturna.





quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O lado que ninguém conta de se chegar em uma maratona II

Antes de tudo, aqui está a primeira parte caso queiram saber como tudo começou:

Uma vez que aquele primeiro desejo de correr uma São Silvestre estava realizado, pensei que pararia por aí. Não me via de forma alguma correndo meia-maratona. Que dirá uma maratona. Lembro-me perfeitamente quando ainda antes da primeira São Silvestre vi um corredor falando na Usp que fazia uma meia todo sábado por lá treinando e fiquei pensando o quão louco era um cara desses sem saber que viria a ser louco dessa forma, mas tudo começou quase sem querer com um convite/desafio de um amigo de Minas Gerais que ganhou inscrição para a Volta da Pampulha.

Com o apelo televisivo, a Volta da Pampulha era outra corrida que eu gostaria de fazeer, mas sendo em outra cidade nunca nem tinha pensado, mas ganhando a inscrição... Primeiro me dou conta que a distância era de 18k. Eu havia já corrido 15k com a São Silvestre e havia ainda uns 3 meses para eu acrescentar 3 quilômetros a mais em minha bagagem de corredor para encarar o novo desafio e assim fui para Belo Horizonte com minha primeira viagem para correr fora (teve Carapicuíba antes, mas vamos combinar que isso é quase um bairro de São Paulo né?).

A expectativa estava de volta semelhante ao dia da São Silvestre. A maior diferença é que dessa vez eu estava com esse meu amigo e um outro amigo dele corredores mais experientes e com distâncias de ultra maratona em seus históricos. A volta da Pampulha era quase treino de tiro para eles e ainda por volta do segundo ou terceiro quilômetro, deixei os caras seguirem em frente e e me encontrei com eles na chegada. 




A sensação que se passou voltando para casa com aquela medalha é que ela era-me mais importante que a São Silvestre pela distância maior alcançada. Uma semana depois, corria a Sargento Gonzaguinha que seria para mim preparativo para a São Silvestre de 2015 e já sentia alguns incômodos pelo corpo que pareceu culminar com uma dor absurda no joelho direito no dia 26 de dezembro em um treino que simulava a São Silvestre com o mesmo trajeto. Senti no meio do caminho entre os quilômetros 7 e 8 e estando o carro parado no final do trajeto, forcei a barra.

Abre-se grandiosos parênteses. Essa contusão era uma mistura de over training com falta de acompanhamento profissional ou conhecimento meu. A questão é que falei com uma fisioterapeuta e ela me disse que daquela forma eu não correria uma São Silvestre em uma semana. Eu disse para ela duas coisas. Um, eram apenas 5 dias e dois, eu correria.

Lógico que eu tinha em mente que eu poderia agravar de tal forma uma lesão que talvez não mais pudesse correr, mas paguei o preço por não ser atleta profissional. Não quero aqui de forma alguma incentivar a fazer o que eu fiz. Apenas alertar que numa dessas, você pode não correr nunca mais.

Resultado: Dois dias de cama, tensores nos joelhos, faixa sub patelar e terminei a São Silvestre decidido a cuidar de mim mesmo para poder continuar correndo. A questão é que o bicho da corrida já havia me pego e a primeira coisa que fiz ao terminar a Volta da Pampulha, foi-me inscrever para a Meia Maratona de São Paulo em fevereiro, mas obedeci esse sinal do corpo.

Comecei a fazer pilates para fortalecer musculatura e fui correr uma Eco Race no Parque ecológico do Tietê com os mesmos 18k para treinar para a meia em um sofrimento sem fim. Sofri bastante. Caminhei muito, mas ali eu percebi que realmente gostava de correr. Justo ao perceber que realmente eu poderia não mais correr. A questão é que aquela medalha de 18k estava empatando com a Volta da Pampulha em importância para mim e só quem corre para saber como cada corrida é absolutamente única.




Em fevereiro chegou a Meia maratona da cidade de São Paulo e com a ajuda do pilates, eu tinha melhoras consideráveis, mas essa prova foi sofrida pelo percurso mesmo, sem contar que na metragem de quase todo mundo dava cerca de 21k e 700 metros. Ali pela primeira vez eu corri a prova inteiro e quando já avistava a chegada no estádio do Pacaembu, eu abdiquei do ego de dizer que fiz a corrida inteira sem parar, ou "quebrar" como dissemos. Me restavam cerca de 600 metros. eu poderia e conseguiria, mas sentia meu corpo completamente quebrado e pensando no futuro, disse para mim mesmo que não precisava. Terminava assim minha primeira meia maratona andando e pronto. Depois eu mal tinha forças para ir para o carro. Aliás, não tive mesmo. A Daniela, minha mulher foi buscar para mim. Aquela medalha de meia estava valendo mais do que todas, mas a vontade de correr crescia...



sexta-feira, 16 de setembro de 2016

O lado que ninguém conta de se chegar em uma maratona.

Vejo as pessoas escrevendo sob seus feitos e superações de dor inclusive para se vencer determinadas distâncias e isso as vezes me incomoda. Acho que isso é um pouco em função do nossas vidas editadas nas redes sociais, afinal de contas, mostramos apenas o quanto estamos ultra bem e felizes, afinal, é só isso que vemos de nossos amigos que podem estar na pior, mas que em suas edições, souberam se vender bem, mas voltemos então quando eu ainda era criança e essa possibilidade não existia.

Final de ano na casa dos avós e para quem é mais velho, lembra que a São Silvestre passava meia-noite com os corredores literalmente correndo para a ano novo. Dessa época, me lembro claramente do equatoriano Rolando Vera e da portuguesa Rosa Mota que ganharam inúmeras vezes a prova. Ali foi-me instigada a vontade de correr, mas embora tenha praticado esporte por toda a vida (inclusive umas corridas esporádicas), foi preciso uma partida de futebol entre alunos e professores onde eu com uns 2 minutos e uns 3 piques já estava completamente morto. Isso ali pelos idos de 2006. Finda a partida e resolvi que eu precisava alterar esse quadro e algum tempo depois comecei a dar umas corridas de uma forma completamente diferente das de hoje. Sem relógio e eu sequer sabia o quanto corria dando algumas voltas no entorno de casa.

Uma frequência consistente de corrida demorou um pouco para acontecer e eu chegava a passar alguns meses sem correr para recomeçar praticamente do zero, mas aos poucos comecei a correr com mais compromisso para comigo mesmo e a São Silvestre começou a rondar meus pensamentos de novo. Era por causa dela que eu queria correr e fui então ver as reais possibilidades. 2012 eu já estava determinado a correr a São Silvestre, mas tanto nesse ano quanto no posterior por acidentes caseiros em nada relacionado com corrida, abortei a missão. Parava mais um tempo e voltava praticamente do zero de novo.

Em 2014 eu já procurava ler coisas sobre corrida na rua e enfim me inscrevi para uma corrida de 5k. Aquilo me gerou a famosa expectativa sobre a primeira prova e acordar ainda com o dia escuro. Não me esquecerei do dia e da prova e todo aquele clima no ar. A questão é que como eu havia lido, comecei com uma prova de 5k quando já corria pouco mais de 10k, mas o que pensam que aconteceu?

Eu simplesmente "quebrei". E quebrei por falta de experiência mesmo. Uma coisa era correr só e no meu tempo, outra foi largar com as pessoas que acabaram por minha inexperiência puxando o meu ritmo muito para cima. Uma decepção comigo mesmo e a alegria pela primeira medalha.

Registro de minha primeira corrida oficial

Dessa prova e do ambiente, fiquei sabendo de uma assessoria de imprensa que sortearia acompanhamento por cerca de 3 meses visando a São Silvestre. Bastava eu terminar 10k dentro de uma hora. Quem assim o fizesse estaria apto ao sorteio e treinei para tal dia. O problema para mim, foi o calor que fazia visto que era a primeira vez que eu corria aquele horário. 9h da manhã visando exatamente a São Silvestre. Com 6k me deu uma dor de cabeça proveniente disso, mas não só terminei dentro do limite estipulado quanto fui sorteado e isso me deu uma boa rotina de treino, mais acompanhamento. Nesse intervalo, corri oficialmente meus primeiros 10k e finalmente cheguei em minha São Silvestre. Ao término dela, fiquei aguardando alguns amigos que corriam pela primeira vez também chegarem e só fui embora quando tive certeza de ver todos.

Caminhando, cheguei no carro, entrei e extremamente cansado sentei e chorei. Era um choro na verdade de alívio e alegria por ter alcançado minha meta de quem começou a correr. Mal sabia eu naquele momento que algum tempo depois eu ia querer mais.

Se quiser saber como foi minha primeira São Silvestre, clique aqui, mas algum tempo depois eu descobriria que novos desafios fariam parte de minha vida e em breve eu continuo essa história.



terça-feira, 23 de junho de 2015

Você se exercitaria para trocar por viagens?

É o que garante um site que promove parcerias com aplicativos populares entre os corredores...

Sinceramente não sei onde vamos parar com as interações, aplicativos, startups, monitoramento e etc. Se por um lado, essas coisas parecem bizarras, por outro lado, não da para negar que o mundo é completamento diferente com eles e nesse ponto, não posso discordar do controverso filósofo esloveno Slavoj Zizek: Não vivemos mais uma realidade virtual e sim, realidade híbrida.

Na pior das hipóteses, você se exercita, mas eu acompanharei e relatarei aqui a minha experiência com vocês.

Bora comigo? Se cadastre no Mova Mais.


sexta-feira, 19 de junho de 2015

Dessas coisas que só acontecem comigo






Eu corro para quem não sabe. Em virtude de ser grandes distâncias, gosto de correr no Elevado Costa e Silva (o Minhocão) quando ele fecha. No coração de São Paulo, você tem uma pista sem carros. Por esse motivo, várias pessoas por lá correm, caminham, andam de bicicleta, jogam bola por incrível que pareça, ou sentam-se para conversar, beber, fumar, blá blá blá.

Com o inverno chegando e as baixas temperaturas aparecendo, diminui drasticamente a quantidade de adeptos ao Minhocão. Imagina com uma leve garoa. Mas, eu estava lá em um elevado praticamente para mim. Escuto/percebo a aproximação de um helicóptero, mas ok, até que tenho os holofotes dele apontado para mim. Foi um misto de Rambo sendo perseguido pela polícia e vou levar um tiro agora e morrer e de, estou ganhando uma medalha olímpica...

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Palmeiras x Corinthians



Prometo não me manifestar sobre resultado do jogo, seja ele qual for, após a peleja.

Venho aqui apenas desejar sorte ao ex-popular esporte. Pelo menos do ponto de vista financeiro...

O ingresso mais barato se você não é sócio torcedor? R$100,00 Da para alugar uma tv à cabo e ver todos os jogos de seu time não é?

Não existisse apenas esse verdadeiro legado da copa que são esses preços completamente excludentes, temos ainda um confrontamento no mínimo no terreno da piada e escárnio para com o adversário e que pode chegar ao confrontamento físico. Foi-se o tempo em que torcedores adversários podiam caminhar no meio da outra torcida e na boa, penso que regredimos desse ponto de vista.

Entre meus amigos próximos, é conhecida uma história da qual cai sem querer no meio da torcida do Santos com a camisa adversária. Senti medo, mas pensei, isso está errado.

O futebol me da o direito de dentro desse território poder xingar e ser violento com o próximo?

Eu só queria que hoje, houvesse um bom espetáculo dentro das 4 linhas, mas ouvir qualquer coisa que ultrapasse o campo de jogo, infelizmente é normal...

domingo, 4 de janeiro de 2015

Uma São Silvestre em minha vida

Cerca de meia-noite e acabo de falar com Marina, me despeço dela para dormir bem para a São Silvestre (o que no meu caso representa 4 ou 5 horas). Acordaria 5:00. Estava tudo bem dentro do meu planejamento. A última passada na cozinha, banheiro e me deito. Uma mensagem no celular e uma amiga em uma noite não muito feliz e talvez tenha levado 2 horas conversando com ela, afinal de contas, eu não era um corredor profissional e preferia ajudar uma amiga do que ter um tempo ligeiramente melhor. Meu tempo para dormir havia caído e agora estava abaixo do ideal e isso talvez tenha despertado a famigerada ansiedade. Empurrei o despertador para 5:45h mas demorei para dormir. Última vez que olhei ao relógio, ele apontava 3:50h

5:45h e o despertador toca e com 45 minutos a menos, não tinha tempo para fazer as coisas lentamente como inicialmente pensei. Comi, me vesti (havia tomado banho antes de deitar) e fui. Desço de elevador e ao chegar no carro, última vistoria de todo o apetrecho necessário que incluía desde o chip para corredores, quanto barra de cereal para comer durante a prova, passando por número do atleta (atleta? Eu? Produção?) e fones de ouvido para escutar o aplicativo que uso para correr. Havia esquecido o fone. Titubeei. Posso correr sem ele... não quis alterar o que sempre faço e perco alguns preciosos minutos indo buscar o fone.

De volta, pego o carro. Iria dirigir até o metrô Vila Madalena, mas nessas resoluções ansiosas que você não sabe se fato melhora alguma coisa, vou até a estação Sumaré e paro o carro. Desço na estação e quando passo na catraca do metrô... não passo. Não havia saldo no bilhete único e lá vai eu carregar o tal. Embora as 6:43h não houvesse fila, o bilhete único do qual uso por 11 anos teima em dar problema justo dessa vez. O que costuma levar uns 25 segundos não se concretiza em alguns minutos. A ansiedade toma cara de impaciência e desisto. Peço meu dinheiro de volta e em vez dela apenas me devolver R$10,00, ela faz questão de me dar a nota de R$20,00 dada para que eu devolva o troco que já estava solto dentro da carteira naquelas tradicionais sacolas de corredores onde você não encontra nada a não ser se praticamente virar a carteira inteira. Achei que não conseguiria chegar a tempo no ponto de apoio da 4any1 que estava marcado para 7:00h. 7:03h é atraso?

Largada seria apenas 9:00h, então estava eu ali comendo mais alguma coisa e após as últimas palavras com os treinadores Aulus e Edmilson, fui munido de uma pequena garrafa de água e duas barras de cereal para o vão libre do Masp onde me encontraria com Bruno de Almeida para instruções sobre a entrevista que daria ao vivo na corrida. A melhor parte na verdade foi ser colocado no pelotão elite b, onde encontrei para a minha surpresa Zélia Duncan.

– Hey querida, onde vai passar a virada?
– Em casa no Rio, termino a prova e vou para o aeroporto. Cansei de ficar abraçando quem nem conheço.
– Provavelmente o cara que te xingou meio-dia no trânsito né? – Risos de todos que estavam próximo.

Demétrius e Zélia

Havia gente se aquecendo por quase uma hora. Fiz o de sempre. Uns dez minutos apenas e conversando com Zélia, Vander de 65 anos que pagaria sua promessa depois de 50 anos e sua filha Janaína, que tornou-se treinadora de corridas e viabilizou o sonho do próprio pai.

Vander, o repórter Alexandre Oliveira e eu

Dada a largada e os poucos metros da elite fez diferença para eu ter uma largada correndo e não caminhando, mas logo, em questão de segundos, uma multidão já atropelava-me. Na saída da Paulista para o acesso da Dr. Arnaldo, seria impossível dizer que larguei em tal pelotão, mas eu corria e corria bem. Nem senti a primeira subida. Vi Zélia e tentei me concentrar. Exatamente enquanto pegava o primeiro trecho de subida considerada, o fone de ouvido me da o tempo (de cinco em cinco minutos), com a distância percorrida e percebi que entrei no ritmo de "estouro da boiada". Estava com o ritmo muito mais acelerado e ainda em subida. Isso poderia comprometer a minha corrida. Bendito fone.

Pequeno trecho da Dr. Arnaldo e a descida mais íngreme, o que é uma tentação de largar o pé e deixar a gravidade fazer sua parte, mas é um erro básico inicial de corredores. Dessa forma, muita gente me ultrapassa com velocidade absurda e eu tentando diminuir a velocidade segundo meu aplicativo. Foi difícil. Quando o relógio marcou dez minutos, eu havia baixado muito pouco desse tempo na verdade e então deixando já o estádio para trás sou encontrado pela equipe da Globo que tentaria uma entrevista comigo durante a corrida. Uma equipe contendo 4 pessoas da Globo correndo em minha volta e para efeito de garantia, a entrevista foi feita correndo duas vezes ao repórter Alexandre Oliveira. Dois minutos talvez tenha levado tudo? Qual o estado físico da equipe para acompanhar-me? Só sei que finalmente estava solitário na multidão e senti o quanto a entrevista quebrou minha concentração e ritmo. Senti que tinha que me concentrar para conseguir concluir.

Sim, correr é solitário e leva tanto tempo que o mundo passa por sua cabeça e muita coisa acontece ali. Na reta da Pacaembu eu serenei o coração e a alma e corri em direção a minha casa, entrei para o lado da Barra Funda e contornei o memorial da América latina. Locais que eu já havia corrido e que faz diferença para quem corre. Quando ele finalmente pega o viaduto Pacaembu, relativamente longo e pesado, ainda não senti, mas a temperatura também ia subindo e olhava a cada relógio de rua a temperatura. Tinha como estratégia não perder um só ponto de hidratação, afinal não consigo beber muito água enquanto corro. Basicamente molho a boca seca e tomo literalmente um gole. Despejo parte da água sobre o próprio corpo para diminuir a temperatura corporal e sigo em frente. Esse acabou sendo o trecho mais tranquilo, em compensação meu calvário começou no viaduto Eng. Orlando Murgel com mesmo nível de dificuldade técnica da Pacaembu.

Aquelas coisas que nunca acontecem acontecia de novo. O famoso pênis resolve se acomodar de um jeito incômodo dentro da bermuda. Correr incomodado por mais 7 km? Não, mãozona para dentro do short para reacomodar o garotão sob o risco de uma câmera registrar o corredor com a mão dentro das calças e um meme estourando logo no primeiro dia de 2015.

Agora eu entrava na avenida Rio Branco para pegar a Ipiranga e entrar na av. São João. Pô Caetano, eu pensei que alguma coisa aconteceria em meu coração, mas aconteceu no meu psicológico querendo me derrubar. Não sabia eu que o percurso forma um coração nesse trecho e que passaria pelo cruzamento de volta vendo uma multidão impressionante de corredores. Já corria por uma hora, mas o corpo sentia ter largado com velocidade acima da minha média.

Pouco mais de 12 km. Viaduto do chá. Logo mais estaria chegando na destemida av. Brigadeiro Luis Antônio e algo que nunca me aconteceu. Não fazia um calor tão forte assim visto os dias anteriores e já corri com temperaturas mais elevadas, mas sim, fazia calor e muito, mas eu, senti um calafrio rasgar minha coluna e senti frio. Um frio esquisito por cerca de 250 metros. Justo eu que não sinto frio, mas passou. Era apenas o psicológico. Eu que sou acostumado a gerenciar isso tendo que tocar em palcos por anos e anos estava agora fora da minha zona de conforto.

A Brigadeiro enfim chega. Olhar para aquela reta de 1,8 km subindo rumo a Paulista e gente gritando coisas de todos os tipos sendo para se encorajar, encorajar os outros ou sei lá o que, era visto. Também foi a hora que mais vi gente estirada no chão, gente desistindo, sentada nas calçadas, recebendo ajuda médica ou mesmo chorando. Também vi Zélia novamente e a danada me deixou para trás na Brigadeiro. Confesso que ao fim de escalar o temeroso trecho, mandei um – Chupa Brigadeiro (embora apenas mental),

Virei a direita e avistava a chegada. Voltando ao plano e já tão perto do fim, não senti mais esse final. Pelo contrário, entrei na efusão dos populares que incentivavam os corredores e correria mais 2 km fácil no plano se preciso fosse.

A medalha que tem uma representatividade muito mais simbólica do que real, estava em minhas mãos e voltei ao posto da 4any1. Só quem se aventura a correr algo do tipo sabe o quanto isso é algo de superação física e sabia que várias pessoas que havia conhecido nos últimos meses terminariam a prova. Entre eles, destaco Rita, Luiz e Viviane que sabia que terminariam a prova cada um com suas histórias, tempos e dificuldades, mas eu só iria embora depois que Flávia chegasse. A maior distância que ela havia feito até hoje era 12 km e embora nunca nem tenhamos conversado muito, vibrei internamente quando a vi chegando com a medalha e agora podia ir embora.



Entrei no carro, sentei e chorei. Não sei se foi de alegria, mas de tristeza não foi. Era um alívio e era bom. Das coisas que me propus a fazer na vida, a São Silvestre foi cumprida...

P.S.: Meu tempo foi de 1:37:33. Apesar das dificuldades, tempo ainda abaixo do que projetei.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Jetboat

A brincadeira, digo, o negócio começou na Nova Zelândia ainda na década de 50. Um barco movido por um jato de água ejetada na parte de trás da embarcação. Diferente de barcos ou lanchas que possuem motores com hélice. A idéia de William Hamilton era para superar o problema das hélices nas rochas dos rios rasos da Nova Zelândia.


Já na década de 70, ele passou a ser utilizado como embarcação para esportes radicais visto a alta velocidade que eles podiam alcançar e na vasta gama de manobras que poderiam ser realizados. Ele é capaz de contornar margens sinuosas de rios, fazer manobras como um serpentear, um oito na água ou círculo e pasmem, um 360º dentro da água ou ainda entrar dentro dela e sair em uma manobra que é comum de se ver nos Jet Sky's. 

Ele é todo construído em 100% de alumínio náutico e foi aperfeiçoado ao longo dos anos para manobras radicais, ou seja, prepare-se para se molhar e sentir muita adrenalina.



No passeio, piloto e co-piloto que passaram por rigorosos treinamentos na Europa vão sentindo a receptividade do grupo, ou seja, a adrenalina vai depender do grupo na embarcação e recomenda-se que se tenha pelo menos 8 anos, afinal, com tanta manobra em cerca de vinte minutos, a força G vai te cobrar um mínimo de força, mas volto a lembrar. As manobras começam bem leves e piloto e co-piloto verificam se está tudo ok e se podem aumentar a adrenalina. Diversão garantida.


Se você não conhecia essa modalidade ainda, não se sinta fora da água. A modalidade é novidade no Brasil e por enquanto a JetBoat Brasil é a única empresa que pode te levar para dentro da água. 

Eu particularmente que sou acostumado com esportes, adrenalina e novas experiências te digo que sai com as expectativas suplantadas e muito satisfeito com a experiência. Ótima pedida para você que procura por novas experiências e gosta de esportes radicais e natureza. Não está convencido ainda? Dê o play: 


sexta-feira, 18 de julho de 2014

Legado da copa



Antes de tudo, a copa dentro de campo foi linda, inesquecível, mas a vida segue. E agora?

Confesso que me segurei por toda a copa do mundo para não falar de política e ser acusado de estar jogando contra ela e se tem alguém que se diverte tal criança em jogos de copa do mundo (menos nos jogos do Brasil onde quase infarto), esse alguém, sou eu. Continuo mantendo a minha média para lá de alta em jogos da copa. Nas últimas 4 copas, não vi apenas 17 jogos. Houve uma copa que não vi apenas 2 jogos (na hora em que havia dois jogos, eu assistia depois na íntegra o jogo).

Mas, como o caso agora é misturar, vamos lá... quase nenhum benefício para a população antes da copa que realmente vai mudar e melhorar a vida do brasileiro aconteceu. E durante? E agora depois dos jogos onde o "estado de exceção" tomou conta do Brasil?

Uma defesa comumente utilizada para desqualificar a opinião de alguém sobre um assunto, é recorrer a falta de conhecimento de dada área por quem fala. Pois bem, eu apenas concordo com tudo o que foi falado abaixo por Jorge Luiz Souto Maior que é professor docente de direito do trabalho brasileiro na Usp, Brasil desde 2001. É juiz titular na 3ª Vara do trabalho de Jundiaí desde 1998, palestrante e conferencista.

A única observação que faço é que ele levantou estas questionamentos antes da copa começar. Cabe agora apenas ficar atento ao restante:

1. A perda do sentido humano

O debate entre os que defendem a causa “não vai ter copa” e os que afirmam “vai ter copa” está superado. Afinal, haja o que houver, o evento não vai acontecer, ao menos no sentido originariamente imaginado, como instrumento apto a gerar lucros e dividendos políticos “limpinhos”, como se costuma dizer, pois não é mais possível apagar os efeitos deletérios que a Copa já produziu para a classe trabalhadora brasileira. É certo, por exemplo, que para José Afonso de Oliveira Rodrigues, Raimundo Nonato Lima Costa, Fábio Luiz Pereira, Ronaldo Oliveira dos Santos, Marcleudo de Melo Ferreira, José Antônio do Nascimento, Antônio José Pitta Martins e Fabio Hamilton da Cruz, mortos nas obras dos estádios, já não vai ter Copa!
Aliás, a Copa já não tem o menor valor para mais de 8.350 famílias que foram removidas de suas casas no Rio de Janeiro, em procedimento que, como adverte o jornalista Juca Kfouri, no documentário, A Caminho da Copa, de Carolina Caffé e Florence Rodrigues, “lembram práticas nazistas de casas que são marcadas num dia para serem demolidas no dia seguinte, gente passando com tratores por cima das casas”. Essas práticas, segundo relatos dos moradores, expressos no mesmo documentário, incluíram invasões nas residências, para medir, pichar e tirar fotos, estabelecendo uma lógica de pressão a fim de que moradores assinassem laudos que atestavam que a casa estava em área de risco, sob o argumento de que na ausência de assinatura nada receberiam de indenização, o que foi completado com o uso da Polícia para reprimir, com extrema violência, os atos de resistência legítima organizados pelos moradores, colimando com demolições que se realizaram, inclusive, com pessoas ainda dentro das casas. As imagens do documentário mencionado são de fazer chorar e de causar indignação, revolta e repúdio, como o são também as imagens da violência utilizada para a desocupação de imóvel da VIVO na zona norte do Rio de Janeiro, ocorrida no dia 11 de abril de 2014, onde se encontravam 5.000 pessoas. Lembre-se que as remoções para a Copa ocorreram também em Cuiabá, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Manaus, São Paulo e Fortaleza, atingindo, segundo os Comitês Populares da Copa, cerca de 170 mil famílias em todo o Brasil.
A Copa já não tem sentido para o Brasil, como nação, visto que embora sejam gastos cerca de R$ 30 bilhões para o montante total das obras, sendo 85% vindos dos cofres públicos, a forma como se organizou – ou não se organizou – a Copa acabou abalando a própria imagem do Brasil. Ou seja, mesmo se pensarmos o evento do ponto de vista econômico e ainda que, imediatamente, se possa chegar a algum resultado financeiro positivo, considerando o que se gastou e o dinheiro que venha a ser atraído para o mercado nacional, é fácil projetar um balanço negativo em razão da quebra de confiabilidade.
Se o Brasil queria se mostrar, como de fato não é, para mais de 2 bilhões de telespectadores, pode estar certo de que a estratégia já não deu certo.
A propósito, a própria FIFA, a quem se concederam benefícios inéditos na história das Copas, tem difundido pelo mundo uma imagem extremamente negativa do Brasil, que até sequer corresponde à nossa realidade, pois faz parecer que o Brasil é uma terra de gente preguiçosa e descomprometida, quando se sabe que o Brasil, de fato, é um país composto por uma classe trabalhadora extremamente sofrida e dedicada e onde se produz uma inteligência extremamente relevante em todos os campos do conhecimento, mas que, enfim, serve para demonstrar que maquiar os nossos problemas sociais e econômicos não terá sido uma boa estratégia.

2. Ausência de beneficio econômico

Mesmo que entre perdas e ganhos o saldo econômico seja positivo, há de se indagar qual o preço pago pela população brasileira, vez que restará a esta conviver por muitos anos com o verdadeiro legado da Copa: alguns estádios fantasmas e obras inacabadas, nos próprios estádios e em aeroportos e avenidas, além da indignação de saber que os grandes estádios e as obras em aeroportos custaram milhões aos cofres públicos, mas que, de fato, pouca serventia terão para a maior parte da classe operária, que raramente viaja de avião e que tem sido afastada das partidas de futebol, em razão do processo notório de elitização incrementado neste esporte.
Oportuno frisar que o dinheiro público utilizado origina-se da riqueza produzida pela classe trabalhadora, vez que toda riqueza provém do trabalho e ainda que se diga que não houve uma transferência do dinheiro público para o implemento de uma atividade privada, vez que tudo está na base de empréstimos, não se pode deixar de reconhecer que foram empréstimos com prazos e juros bastante generosos, baseados na previsibilidade de ganhos paralelos com o evento, ganhos que, no entanto, já se demonstram bastante questionáveis.
No caso do estádio Mané Garrincha, em Brasília, por exemplo, com custo final estimado em R$1,9 bilhões, levando-se em consideração o resultado operacional com jogos e eventos obtidos em um ano após a conclusão da obra, qual seja, R$1.137 milhões, serão precisos 1.167 anos para recuperar o que se gastou, o que é um absurdo do tamanho do estádio, ainda que o Ministro do Esporte, Aldo Rebelo, e o secretário executivo da pasta, Luis Fernandes, tenham considerado o resultado, respectivamente, “um êxito” e “um exemplo contra o derrotismo”.
O problema aumenta, gerando indignação, quando se lembra que não se tem visto historicamente no Brasil – desde sempre – a mesma disposição de investir dinheiro público em valores ligados aos direitos sociais, tais como educação pública, saúde pública, moradias, creches e transporte.
O que se sabe com certeza é que a FIFA, que não precisa se preocupar com nenhum efeito social e econômico correlato da Copa, obterá um enorme lucro com o evento. “Uma projeção feita pela BDO, empresa de auditoria e consultoria especializada em análises econômicas, financeiras e mercadológicas, aponta que a Copa do Mundo de 2014 no Brasil vai render para a Fifa a maior arrecadação de sua história: nada menos do que US$ 5 bilhões entrarão nos cofres da entidade (cerca de R$ 10 bilhões).”

3. O prejuízo para o governo

O governo brasileiro, que tenta administrar todos os prejuízos do evento, vê-se obrigado, pelo compromisso assumido por ocasião da candidatura, a conferir para a FIFA garantias, que ferem a Constituição Federal e que, por consequência, estabelecem um autêntico Estado de exceção, para que o lucro almejado pela FIFA não corra risco de diminuição, entregando-lhe, além dos estádios, que a FIFA utilizará gratuitamente:
a) a criação de um “local oficial de competição”, que abrange o perímetro de 2 km em volta do estádio, no qual será reservada à FIFA e seus parceiros, a comercialização exclusiva, com proibição do livre comércio, inclusive de estabelecimentos já existentes no tal, caso seu comércio se relacione de alguma forma ao evento;
b) a institucionalização do trabalho voluntário, para serviços ligados a atividade econômica (estima-se que cerca de 33 mil pessoas terão seu trabalho explorado gratuitamente, sem as condições determinadas por lei, durante o período da Copa no Brasil);
c) o permissivo, conferido pela Recomendação n. 3/2013, do CNJ, da exploração do trabalho infantil, em atividades ligadas aos jogos, incluindo a de gandula, o que foi proibido, ainda que com bastante atraso, em torneios organizados pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol), desde 2004, seguindo a previsão constitucional e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA);
d) a liberdade de atuar no mercado, sem qualquer intervenção do Estado, podendo a FIFA fixar o preço dos ingressos como bem lhe aprouver (art. 25, Lei Geral da Copa);
e) a eliminação do direito à meia-entrada, pois a Lei Geral da Copa permitiu à FIFA escalonar preços em 4 categorias, que serão diferenciadas, por certo, em razão do local no estádio, sendo fixada a obrigatoriedade de que se tenha na categoria 4, a mais barata (não necessariamente com preço 50% menor que a mais cara), apenas 300 mil ingressos, sem quórum mínimo para cada jogo, e apenas dentre estes é que se garantiu a meia entrada para estudantes, pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos; e participantes de programa federal de transferência de renda, que, assim, foram colocados em concorrência pelos referidos ingressos;
f) o afastamento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, deixando-se os critérios para cancelamento, devolução e reembolso de ingressos, assim como para alocação, realocação, marcação, remarcação e cancelamento de assentos nos locais dos Eventos à definição exclusiva da FIFA, a qual poderá inclusive dispor sobre a possibilidade: de modificar datas, horários ou locais dos eventos, desde que seja concedido o direito ao reembolso do valor do ingresso ou o direito de comparecer ao evento remarcado; da venda de ingresso de forma avulsa, da venda em conjunto com pacotes turísticos ou de hospitalidade; e de estabelecimento de cláusula penal no caso de desistência da aquisição do ingresso após a confirmação de que o pedido de ingresso foi aceito ou após o pagamento do valor do ingresso, independentemente da forma ou do local da submissão do pedido ou da aquisição do Ingresso (art. 27).

4. O prejuízo para a cidadania

Para garantir mesmo que o lucro da FIFA não seja abalado, o Estado já anunciou que o evento terá o maior efetivo de policiais da história das Copas, com gasto estimado de 2 bilhões de reais, mobilizando, inclusive, as Forças Armadas, tudo isso não precisamente para proteger o cidadão contra atos de violência urbana, mas para impedir que o cidadão, vítima da violência da Copa, possa se insurgir, democraticamente, contra a sua realização.
A respeito das manifestações, vale frisar, é completamente impróprio o argumento de que como nada se falou antes, agora é tarde para os cidadãos se insurgirem. Primeiro, porque quando o compromisso foi firmado ninguém foi consultado quanto ao seu conteúdo. E, segundo, porque nenhum silêncio do povo pode ser utilizado como fundamento para justificar o abalo das instituições do Estado de Direito, vez que assim toda tirania, baseada na força e no medo, estaria legitimada. O argumento, portanto, é insustentável e muito grave, sobretudo no ano em que a sociedade brasileira se vê diante do desafio de saber toda a verdade sobre o golpe de 1964 e os 21 anos da ditatura civil-militar.
Deve-se acrescentar, com bastante relevo, que o evento festivo, composto por alguns jogos de futebol, está sendo organizado de modo a abranger toda a sociedade brasileira, impondo-lhe os mais variados sacrifícios, pois impõe uma intensa alteração da própria rotina social, atingindo a pessoas que nenhuma relação possuem com o evento ou mesmo que tenham aversão a ele.
O próprio calendário escolar foi alterado, para que não houvesse mais aulas durante a Copa, buscando, de fato, melhorar artificialmente o trânsito e facilitar o acesso aos locais dos jogos. A educação, que é preceito fundamental, que se arranje, pois, afinal, é ano da Copa! Algumas cidades, para melhor atingir esse objetivo da facilitar a circulação, mascarando os problemas do transporte, pensam, seriamente, em decretar feriados nos dias de jogo da seleção brasileira, interferindo, também, na lógica produtiva nacional.
Nos serviços públicos já se anunciaram alterações nos horários de funcionamento, de modo a não permitir coincidência com os dias de jogos do Brasil, sendo que em alguns Tribunais do Trabalho (Mato Grosso – em Cuiabá e nas cidades do interior; Rio Grande do Sul e São Paulo, com diferenças de intensidade e de datas); o funcionamento foi suspenso, gerando adiamento das audiências… Ou seja, o trabalhador, que esperou meses para ser atendido pela Justiça, verá sua audiência adiada para daqui a alguns novos meses, pois, afinal, era dia de jogo da Copa!
Somados todos esses fatores, é fácil entender que a Copa já perdeu todo o sentido para a nação brasileira. Não por outra razão, aliás, é que a aprovação para a realização da Copa no Brasil, em novembro de 2008, que era de 79% caiu, em abril de 2014, para 48%, e os que eram contrários subiram, no mesmo período, de 10% para 41%, sendo que mais da metade dos brasileiros considera que os prejuízos serão maiores que os ganhos.

5. O prejuízo para a razão

Numa leitura otimista, o diretor-geral do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo Fifa 2014, que se chama, por coincidência reveladora, Ricardo Trade (comércio, em inglês), prefere dar destaque ao fato de que 48% são a favor e apenas 41% são contra, avaliando, então, que o copo está meio cheio. Só não consegue ver que o copo está esvaziando e que, de fato, nos trens e ônibus, que transportam os trabalhadores, só se fala da Copa para expressar indignação com relação às condições do transporte, da saúde, das escolas, e da falta de creches. Sintomático, aliás, o fato de que as periferias das grandes cidades não estão pintadas para a “festa” do futebol, como estavam nas Copas anteriores e isso porque, com a Copa sendo realizada aqui, é possível ver as disparidades e perceber com maior facilidade como a retórica do legado não atinge, concretamente, a vida da classe trabalhadora.
Os tais empregos gerados são precários e inseridos, sobretudo nas obras de estádios, aeroportos e vias públicas, na lógica perversa da terceirização, sendo que muitos trabalhadores ainda serão explorados sem qualquer remuneração no mal denominado trabalho “voluntário”, referido com orgulho pelo “Senhor Comércio”.
Fato é que não será mais possível assistir a um jogo da Copa, no estádio, pela TV ou nos circos armados do “Fan Fest” e se emocionar com uma jogada ou um gol, sem lembrar do preço pago: assalto à soberania; Estado de exceção; gastos públicos; abalo da confiabilidade em razão da desorganização; violências dos despejos, dos acidentes de trabalho e da repressão policial…
Sobre o Fan Fest, ademais, é oportuno esclarecer que se trata de um “evento oficial” da Copa da FIFA, que deve ser organizado e custeado pelas cidades sedes de jogos, para que os excluídos dos estádios possam assistir aos jogos por um telão, com o acompanhamento de shows. Esse evento, organizado e pago pelo Estado (que se fará em São Paulo mediante pareceria com o setor privado, conforme Comunicado de Chamamento Público n. 01/2014/SMSP, que estabeleceu o prazo de uma semana para o oferecimento de ofertas), realizado em espaço público, atende aos interesses privados da FIFA e suas parceiras. No caso da cidade de São Paulo, por exemplo, o Decreto n. 55.010, de 9 de abril de 2014, assinado pela vice-prefeita em exercício, Nádia Campeão (em nova coincidência reveladora), que regulou o evento, transforma a área pública do Fan Fest em uma área privada, reservada, como dito no Decreto, aos fãs da Copa. Nos termos expressos no Decreto: “FAN FEST: área do Vale do Anhangabaú indicada pela cidade-sede e reconhecida pela FIFA como área de lazer exclusiva aos fãs da Copa do Mundo FIFA 2014” (inciso VIII, do art. 2º.) – grifou-se
O mesmo Decreto fixa esse local, o do Fan Fest, como área de “restrição comercial”, que são “áreas definidas pelo Poder Público Municipal com perímetros restritos no entorno de locais oficiais específicos de competição, nas quais, respeitadas as normas legais existentes, fica assegurada a exclusividade prevista no artigo 11 da Lei Federal nº 12.663, de 2012, à FIFA ou a quem ela autorizar” (inciso XIII, do art. 2º.), valendo reparar que o Decreto, artificialmente, amplia, em muito, a extensão geográfica do Vale do Anhangabaú: “FAN FEST: a partir do Largo da Memória, Rua Formosa, Viaduto do Chá, Praça Ramos de Azevedo, Rua Conselheiro Crispiniano, Rua Capitão Salomão, Praça Pedro Lessa, Largo São Bento, Rua Florêncio de Abreu, Rua Boa Vista, Rua Líbero Badaró, Praça do Patriarca, alça de retorno da Av. 23 de Maio do sentido Bairro/Centro para o sentido Centro/Bairro, Av. 23 de Maio, entre o Largo da Memória e o Viaduto do Chá, conforme Anexo II deste decreto” (inciso II, do art. 3º.), atingindo até mesmo o espaço aéreo: “Os espaços aéreos correspondentes aos perímetros descritos nos incisos I e II do “caput” deste artigo também se constituem em áreas de restrição comercial” (parágrafo único do art. 3º.).
É importante saber que ao se impedir a comercialização na área reservada a Prefeitura de São Paulo acabou interrompendo um processo de negociação, iniciado em maio de 2012, com os ambulantes que atuavam na cidade e, em especial, na região central, onde se situa o Vale do Anhangabaú, e cuja licença havia sido cassada no contexto de uma política de endurecimento muito forte quanto à fiscalização de sua atuação, que fora intensificada, exatamente, a partir de 2011, quando houve a assinatura do termo de compromisso, anunciando São Paulo como uma das cidades sedes da Copa. Em 2012, acabaram sendo canceladas todas as 5.137 licenças dos ambulantes e até hoje, mesmo após instaurado, desde 2012, um grupo de trabalho tripartite – trabalhadores, sociedade civil e prefeitura (Fórum dos Ambulantes), para a discussão do problema, nada se resolveu e, em concreto, ao editar o Chamamento Público acima citado, a Prefeitura acabou dificultando sobremaneira a pretensão dos ambulantes de terem alguma atuação comercial durante a Copa. É a Copa, na verdade, fechando postos de trabalho!

6. De novo o dinheiro

Há de se considerar que todos esses efeitos já foram produzidos e continuarão repercutindo na vida real para além da Copa, ainda que o saldo econômico desta venha a ser positivo.
E se o tema é dinheiro, há de se indagar: dinheiro para quem, cara pálida? É evidente que o benefício econômico não ficará para a classe trabalhadora e sim para quem explora o trabalho ou se vale da lógica de reprodução do capital. Para o trabalhador, o dinheiro que se direciona é o fruto do trabalho realizado, que, de fato, na lógica do modelo de sociedade capitalista, não representa, jamais, o equivalente necessário para restituir à classe trabalhadora como um todo o valor do trabalho empregado no serviço ou na obra. A lógica econômica da Copa não é outra coisa senão a intensificação do processo de acumulação de riqueza por meio da exploração do trabalho alheio, sendo que se considerarmos a utilização do denominado “trabalho voluntário”, que se realizará sem qualquer custo remuneratório, a acumulação que se autoriza é ainda maior.
O tal efeito benefício econômico, a que tanto se alude, portanto, não será, obviamente, revertido à classe trabalhadora. Esta, inclusive, será enormemente prejudicada, na medida em que o dinheiro público utilizado para financiar a atividade lucrativa de índole privada foi extraído da tributação realizada sobre a riqueza produzida pelo trabalho e que, assim, deveria ser, prioritariamente, revertida ao conjunto da classe trabalhadora para a satisfação das necessidades essenciais garantidas por preceitos constitucionais: escolas, hospitais, previdência e assistência social, creches e transporte, por exemplo. É completamente ilógico dizer, como disse o diretor-geral do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo Fifa 2014, no texto mencionado, que se está usando o dinheiro público para incentivar uma produção privada com o objetivo de, ao final, tributar essa produção e devolver o dinheiro aos cofres públicos.
O argumento seria apenas ilógico não fosse, também, digamos assim, carregado de alguns equívocos, o que o torna, portanto, muito mais grave. Ora, como adverte Maurício Alvarez da Silva, pelos termos da Lei Geral da Copa, Lei n. 12.350/10, “foi concedida à Fifa e sua subsidiária no Brasil, em relação aos fatos geradores decorrentes das atividades próprias e diretamente vinculadas à organização ou realização dos Eventos, isenção de praticamente todos os tributos federais” .
Além disso, em 17 de maio de 2013, o governo federal publicou no “Diário Oficial da União decreto que concede isenção de tributos federais nas importações destinadas à Copa das Confederações neste ano e à Copa do Mundo de 2014. Entre os produtos incluídos na isenção estão alimentos, suprimentos médicos, combustível, materiais de escritório, troféus. O benefício abrange Imposto sobre Produtos Industrializados incidente na importação, Imposto de Importação, PIS/Pasep-Importação, Cofins-Importação, Taxa de utilização do Siscomex, Taxa de utilização do Mercante, Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante e Cide-combustíveis”.
Em concreto, continuarão sendo tributados apenas as empresas nacionais, que não estejam integradas ao rol das apaziguadas da FIFA, sofrendo, ainda, com a isenção concedida às importadoras, os trabalhadores e os consumidores, sendo que o valor circulado nesta seara é ínfimo se considerarmos aquele, sem tributação, destinado à FIFA e suas parceiras e às importadoras.

7. De novo os ataques aos trabalhadores

Quando os trabalhadores, saindo da invisibilidade, se apresentam no cenário político e econômico e se expressam no sentido de que planejam uma organização coletiva para tentarem diminuir o prejuízo, buscando, por meio de reivindicações grevistas, atrair para si uma parte maior do capital posto em circulação em função da Copa, logo algum economista de plantão vem a público com a ameaça de que tais ganhos podem resultar em demissões futuras.
Mas, essa possibilidade aventada pelos trabalhadores de se fazerem ouvir na Copa, que pode, em concreto, minimizar o prejuízo dos trabalhadores, no processo de acumulação, e do país, na evasão de riquezas, acabou provocando uma reação institucional imediata, afinal o compromisso assumido pelo Estado brasileiro foi o de permitir que a FIFA obtivesse o seu maior lucro da história. Então, a Justiça do Trabalho se adiantou e divulgou que vai estabelecer um sistema de plantão para julgar, com a máxima celeridade (de um dia para o outro), as greves que ocorram durante a Copa, com o pressuposto já anunciado de que “as greves têm custo para os trabalhadores, empregadores e população”, sendo certo que a Copa não pode ser usada para “expor o país a uma humilhação internacional, como no Carnaval, quando houve greve de garis”.
Pouco importa o quanto a Justiça do Trabalho, historicamente, demora para dar respostas aos direitos dos trabalhadores, no que se refere às diversas formas de violências de que são vítimas em razão das práticas de algumas empresas no que tange à falta de registro, ao não pagamento de verbas rescisórias, ao não pagamento de horas extras, ao não pagamento de indenizações por acidentes do trabalho etc. Mesmo que já tendo melhorado sobremaneira na defesa dos interesses dos trabalhadores, transmite ainda a ideia central de que o que importa é ser célere quando isso interessa ao modelo econômico, que se vale da exploração do trabalho para reproduzir o capital.
A iniciativa repressiva da Justiça, ademais, foi aplaudia, rapidamente, por editorial do jornal Folha de S. Paulo, o qual, inclusive, em declaração, no mínimo, infeliz, chamou os trabalhadores de oportunistas:
É uma iniciativa elogiável para evitar o excesso de oportunismo sindical, que não hesita em prejudicar o público e ameaçar o principal evento do ano no país.
Ou seja, todo mundo pode ganhar, menos os trabalhadores. Parodiando a máxima penal, é como se lhes fosse dito: “tudo que vocês ganharem pode ser utilizado contra vocês mesmos…”
Como foram as condições de trabalho nas obras? Quantos trabalhadores não receberam ainda os seus direitos por serviços que prestaram para a realização da Copa? Segundo preconizado pelo viés dessa preocupação, nada disso vem ao caso… Na visão dos que só veem imperativo obrigacional de realizar a Copa, como questão de honra, custe o que custar, o que importa é que o “público” receba o proveito dos serviços dos trabalhadores e se estes não ganham salário digno ou se trabalham em condições indignas não há como trazer à tona, para não impedir a realização do evento e para não abalar a imagem no Brasil lá fora.
Mas, concretamente, que situação pode constranger mais a figura do Brasil no exterior? O Brasil que faz greves? Ou o Brasil em que os trabalhadores são submetidos a condições subumanas de trabalho e que não permite que esses mesmos trabalhadores, em geral invisíveis aos olhos das instituições brasileiras, se insurjam contra essa situação, tendo que aproveitar o momento de um grande evento para, enfim, ganhar visibilidade, inclusive, internacional?
Na verdade, a humilhação internacional, a qual não se quer submeter o Brasil, é a de que o mundo saiba como o capitalismo aqui se desenvolve, ainda marcado pelos resquícios culturais de quase 400 anos de escravidão e sem sequer os limites concretos da eficácia dos Direitos Humanos e dos direitos sociais, promovendo, em concreto, uma das sociedades mais injustas da terra.

8. O perverso legado das condições de trabalho na Copa

Do ponto de vista da realidade, é preciso consignar que a pressa na execução das obras ainda tem aumentado a espoliação da classe trabalhadora com elevação das jornadas de trabalho, cuja retribuição, ainda que paga, nunca é suficiente para atingir o nível da equivalência, ainda mais quando são implementadas fórmulas jurídicas fugidias do efetivo pagamento (banco de horas, compensações etc.). O trabalho em jornadas extraordinárias, ademais, gera um desgaste físico e mental do trabalhador que não é computado e não se compensa por pagamento.
Além dos acidentes do trabalho citados inicialmente, portanto, é importante adicionar ao legado da Copa para a classe trabalhadora as más condições de trabalho, caracterizadas pela elevação das jornadas de trabalho, pelo aumento do ritmo do trabalho e da pressão pela celeridade.
O relato de alguns fatos, extraídos do noticiário jornalístico, auxilia na visualização desse contexto de supressão de direitos dos trabalhadores no período de preparação para a Copa.
Em setembro de 2013, 111 migrantes, vindos do Maranhão, Sergipe, Bahia e Pernambuco foram encontrados em condições análogas à de escravos na obra de ampliação do aeroporto de Guarulhos/SP, o mais movimentado da América Latina, sob a responsabilidade da empresa OAS, que além de ser uma das maiores construtoras do Brasil, é também a terceira empresa que mais faz doações a candidatos de cargos políticos, segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo, sendo uma das quatro empresas que formam o consórcio Invepar que, junto com a Airports Company South Africa, detêm 51% da sociedade com a Infraero para a administração do Aeroporto Internacional de Guarulhos através da GRU Airport e que para as obras de ampliação do aeroporto, onde foi flagrado trabalho escravo, obteve do BNDES um empréstimo-ponte de R$1,2 bilhões.
E a OAS, evidentemente, declarou que “vem apurando e tomando todas as providências necessárias para atender às solicitações” do Ministério do Trabalho e Emprego, negando que as vítimas fossem suas empregadas ou que tivesse tido qualquer “participação no incidente relatado” .
Até abril de 2012, conforme reportagem de Vinícius Segalla, oito dos doze estádios da Copa já haviam enfrentado greves, atingindo 92 dias de paralisação, sendo o recorde do Maracanã, no Rio de Janeiro, com 24 dias. As reivindicações foram variadas, indo desde questões ligadas à remuneração até o desrespeito de direitos como pagamento de horas extras e fornecimento de planos de saúde. Segundo a reportagem, “Em uma das quatro paralisações já ocorridas em Pernambuco, no início de novembro do ano passado, o motivo foi a forma como a Odebrecht lidou com as reivindicações dos trabalhadores. É que a empreiteira demitiu dois funcionários da arena que eram membros da Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) porque eles teriam incitado os trabalhadores a fazer greve. A demissão dos operários, junto com denúncias de assédio moral supostamente praticados pelo responsável pela segurança do canteiro, levou os funcionários a decretar greve.”
Também nos termos da reportagem, “a empresa explicou ao UOL Esporte que ‘Os dois empregados membros da Cipa foram demitidos por justa causa, por cometimento de flagrante ato de indisciplina, quando, no último dia 31 de outubro, instigaram os colegas a paralisarem a obra da Arena da Copa, sem nenhuma razão plausível’.” Embora, depois, por meio de nota tenha dito que as dispensas se deram sem justa causa.
A situação, revela a mesma reportagem, foi também bastante séria na greve do Maracanã, em setembro de 2011, cuja motivação, segundo Nilson Duarte, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Sitraicp), teria sido o fato de que “foram servidos aos cerca de 2.000 trabalhadores da obra macarrão e feijão estragados, salada com bichos e leite fora da validade”, o que fora negado pelo Consórcio Maracanã (Odebrecht, Delta e Andrade Gutierrez), por meio de nota. O local já havia sido alvo de uma greve, um mês antes, agosto de 2011, por causa de uma explosão no canteiro que feriu um trabalhador.
Relata-se, ainda, que em Manaus (AM), na Arena Amazônia, houve paralisação de um dia, em 22 de março de 2012, porque conta do valor da cesta básica que estava sendo paga aos operários, R$ 37, enquanto que “de acordo com pesquisa do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos ), o valor da cesta básica, composta por 12 produtos, fechou o mês de março a um custo R$ 251,38 na capital amazonense”, tendo a greve se encerrado com o aumento da cesta para R$ 60, acompanhado da promessa da empresa de que iria “voltar a pagar hora extra aos sábados, o que parara de fazer três meses antes”.
Na arena de Pernambuco, no início de 2012, foi promovida a dispensa coletiva de 560 empregados, conforme destacado em reportagem de Paulo Henrique Tavares, que vale a pena reproduzir:
A sexta-feira marcou a volta aos trabalhos dos operários responsáveis pela construção da Arena Pernambuco, na cidade de São Lourenço da Mata. E como “boas-vindas”, 560 trabalhadores acabaram recebendo o comunicado de demissão. A expectativa da comissão organizadora da recente greve, que paralisou as obras do estádio por oito dias, é de que outros mil funcionários peçam a carta de dispensa até o fim da tarde.
Por considerar “abusiva e ilegal”, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-PE) exigiu, na quinta-feira, a volta aos trabalhos dos grevistas, com penalidade de R$ 5 mil, por dia, ao sindicato da categoria, o Sintepav, em caso de descumprimento. Apesar da obrigatoriedade, a ideia dos remanescentes nas obras da Arena Pernambuco é praticar – como os próprios denominam – uma “operação tartaruga”.
“Eu vim preparado para ser demitido. Como não fui, a maneira que encontrei para ajudar meus companheiros é trabalhar de maneira lenta. Cada prego desta Arena irá demorar pelo menos um dia, para ser colocado”, disse um trabalhador, que preferiu não ser identificado. “Eu não tenho prazo para terminar a obra. Quem tem prazo é o governo.”
Antes das demissões, as obras para a Arena da Copa contavam com 2.437 trabalhadores. Já contando com as saídas desta sexta-feira, cerca de 250 novos operários se apresentaram para o trabalho, em São Lourenço da Mata. “Pelo número de polícias que estão aqui na obra hoje, acredito que eles e o governador Eduardo Campo devem colocar a mão na massa para levantar o estádio até a Copa do Mundo”, falou, em tom irônico, um dos novos desempregados.
Entre as reivindicações, os trabalhadores exigiam aumento de benefícios, como cesta básica de R$ 80 para R$ 120, maior participação nos lucros e resultados (PLR), Plano de Saúde para os profissionais e ajudantes, além de abono dos dias parados e estabilidade de um ano para a comissão dos trabalhadores.
A questão pertinente às condições de trabalho chegou a tal extrema que, na Arena do Grêmio (que não está integrada aos jogos da Copa, mas se alimenta da mesma lógica), em outubro de 2011, os próprios trabalhadores pediram sua demissão, como “forma de protesto pelas condições de trabalho impostas pela empreiteira. A maioria dos trabalhadores é do Maranhão e retornará ainda hoje para seu estado natal.”
No estádio do Itaquerão, os operários disseram, em janeiro de 2014, à reportagem do UOL que estavam recebem salário “por fora” (que impede a tributação e não se integra aos demais direitos dos trabalhadores), “para trabalhar mais do que o previsto pelo acordo e evitar que a inauguração do palco de abertura da Copa do Mundo atrase ainda mais”. Segundo consta da reportagem, “Um soldador que trabalha na obra contou à reportagem que espera receber um salário quatro vezes maior do que o normal neste mês devido às horas extras irregulares que está fazendo”.
Segundo a reportagem, o acordo em questão, firmado com o aval do Ministério do Trabalho e Emprego, em 19 de dezembro de 2013, foi o de que estaria autorizado o trabalho em até duas horas extras diariamente, sendo que, anteriormente, dizem os trabalhadores, havia jornadas de até 16 horas. E, presentemente, as horas além das duas extras permitidas, que já é, por si, grave afronta à Constituição, eram trabalhadas sem marcação em cartão de ponto. “Eles [os chefes] falam para a gente: ‘Não pode atrasar’. Ainda tem muita coisa pra fazer e às vezes é melhor mesmo você trabalhar umas horinhas a mais num dia para terminar uma tarefa e já começa num ponto mais a frente no dia seguinte”, disse à reportagem um ajudante de pedreiro, de 23 anos, que, assim como os outros trabalhadores que conversaram com o UOL Esporte, pediu para não ser identificado.
Nos termos da reportagem, “Além do medo de perder o salário adicional, os funcionários da construtora disseram que foram orientados a não dar entrevistas. ‘Teve uma palestra no fim do ano para falar pra gente tomar cuidado com a imprensa, pra não ficar falando qualquer coisa porque isso só atrapalha a gente’, declara o ajudante de pedreiro.”
Como revela notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo, edição de 23/03/14 (p. D-4), foram flagrados pelos jornalistas trabalhadores executando suas tarefas sem as mínimas condições de segurança e de uma subsistência digna em obra do centro de treinamento da seleção da Alemanha no sul da Bahia (Santa Cruz Cabrália).

9. O atentado histórico à classe trabalhadora

A maior parte dos problemas vivenciados pelos trabalhadores nas obras da Copa está ligada à sua submissão ao processo de terceirização e de precarização das condições de trabalho, que acabaram sendo acatados, sem resistência institucional contundente, durante o período de preparação para a Copa, interrompendo o curso histórico que era, até então, de intensa luta pela melhoria das condições de trabalho no setor da construção civil, que é o recordista, vale destacar, em acidentes do trabalho. Essa luta, implementada pelo Ministério Público do Trabalho, tendo como ponto essencial o combate à terceirização, entendida como fator principal da precariedade que gera acidentes, já havia sido, inclusive, encampada pelo Governo Federal, em 2012, ao se integrar, em 27 de abril, ao Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho.
O fato é que o evento Copa, diante da necessidade de se acelerarem as obras, acabou por jogar por terra quase toda, senão toda, a racionalidade que já havia sido produzida a respeito do assunto pertinente ao combate à terceirização no setor da construção civil, chegando-se mesmo ao cúmulo do próprio Superintendente Regional do Trabalho e emprego de São Paulo, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, Luiz Antônio Medeiros, um ex-sindicalista, declarar, sobre as condições de trabalho no Itaquerão, que: “Se esse estádio não fosse da Copa, os auditores teriam feito um auto de infração por trabalho precário e paralisado a obra. Estamos fazendo de conta que não vemos algumas irregularidades” (entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 03/04/14).
O período da preparação para a Copa, portanto, pode ser apontado como um atentado histórico à classe trabalhadora, que jamais será compensado pelo aludido “aumento de empregos”, até porque, como dito, tais empregos, no geral, se deram por formas precárias. Nas obras o que se viu e se vê – embora não seja visto pelo Ministério do Trabalho e Emprego – são processos de terceirização e quarteirização, sem uma oposição institucional, que, por conseqüência, produz o legado de grave retrocesso sobre o tema, que tende a se estender, perigosamente, para o período posterior à Copa.
Não se pode esquecer que quase todos os acidentes fatais acima mencionados, não por coincidência, atingiram trabalhadores terceirizados, e o Estado de exceção, acoplado ao silêncio institucional sobre as formas de exploração do trabalho (exceção feita a algumas iniciativas individualizadas de membros do Ministério Público do Trabalho) e acatado para garantir a Copa, acabaram servindo como uma luva a certas frações do setor econômico, que serão as únicas, repita-se, que verdadeiramente, se beneficiarão do evento, para desferir novo ataque aos trabalhadores, representado pela tentativa de fuga de responsabilidade da empresa responsável pela obra, transferindo-a à empresa contratada (terceirizada), que possui, como se sabe, quase sempre, irrisório suporte financeiro para arcar com os riscos econômicos envolvidos.
Sobre a morte de José Afonso de Oliveira Rodrigues, a construtora Andrade Gutierrez, responsável pela construção da arena em Manaus, defendeu-se, publicamente, dizendo que Martins trabalhava para a Martifer, empresa contratada para fazer as estruturas metálicas da fachada e da cobertura.
Quando da morte de Marcleudo de Melo Ferreira, também na obra da arena de Manaus, a Andrade Gutierrez repetiu a estratégia, expressando-se em nota:
É com pesar que a Construtora Andrade Gutierrez informa que por volta das 4h da manhã de hoje, 14/12/2013, o operário Marcleudo de Melo Ferreira, 22 anos, natural de Limoeiro do Norte – CE, funcionário de empresa subcontratada que presta serviços na montagem da cobertura da Arena da Amazônia, sofreu uma queda de uma altura de cerca de 35 metros, sendo socorrido e levado ao Pronto Socorro 28 de Agosto ainda com vida, onde não resistiu aos ferimentos e veio a falecer nesta manhã.
Reiteramos o compromisso assumido com a segurança de todos os funcionários e que uma investigação interna está sendo feita para apurar as causas do acidente. As medidas legais estão sendo tomadas em conjunto com os órgãos competentes.
Lamentamos profundamente o acidente ocorrido e estamos prestando total assistência à família do operário. Em respeito à memória do mesmo, os trabalhos deste sábado foram interrompidos. – grifou-se
Igual postura foi adotada pela Odebrecht Infraestrutura, responsável pela obra do Itaquerão, no que tange às mortes de Fábio Luiz Pereira e Ronaldo Oliveira dos Santos. Eis a nota publicada:
A Odebrecht Infraestrutura e o Sport Club Corinthians Paulista lamentam informar que no início da tarde de hoje um acidente na obra da Arena Corinthians provocou o falecimento de dois trabalhadores – Fábio Luiz Pereira, 42, motorista/operador de Munck da empresa BHM, e Ronaldo Oliveira dos Santos, 44 anos, montador da empresa Conecta. Pouco antes das 13 horas, o guindaste, que içava o último módulo da estrutura da cobertura metálica do estádio, tombou provocando a queda da peça sobre parte da área de circulação do prédio leste – atingindo parcialmente a fachada em LED. A estrutura da arquibancada não foi comprometida. Era a 38ª vez que esse tipo de procedimento realizava-se na obra e uma peça de igual proporção foi instalada há pouco mais de uma semana no setor Sul do estádio. Equipes do corpo de bombeiros estão no local. No momento, todos os esforços estão concentrados para oferecer assistência total às famílias das vítimas.
E para demonstrar que a terceirização, com a utilização da estratégia de se eximir de responsabilidade, não é privilegio da iniciativa privada, quando houve a morte de José Antônio do Nascimento na obra do Centro de Convenções do Amazonas, desenvolvida pelo Centro de Gestão Metropolitana do Município de Manaus ao lado da Arena da Amazônia, a entidade em questão expediu a seguinte nota:
O funcionário da Conserge, empresa que presta serviço para a Unidade de Gestão Metropolitana, José Antônio da Silva Nascimento, de 49 anos, morreu de infarto por volta das 9h da manhã deste sábado (14 de dezembro), quando trabalhava nos serviços de limpeza e terraplanagem para o asfaltamento do Centro de Convenções da Amazônia, localizado na Avenida Pedro Teixeira.
José Antônio se sentiu mal quando subiu em uma caçamba. Uma ambulância do Samu foi acionada imediatamente para realizar o atendimento, mas o trabalhador não resistiu. A Conserge está dando toda a assistência necessária à família da vítima.
Segundo a família de José Antônio, este trabalhava sob pressão devido ao atraso na obra. “Ele trabalhava de domingo a domingo”, afirmou sua cunhada, Priscila Soares.
Por ocasião da morte de Antônio José Pitta Martins, técnico especializado em operações de guindastes de grande porte, que veio de Portugal para trabalhar na obra da Arena da Amazônia, tendo sido atingido na cabeça por uma peça de ferro que se soltou de um guindaste, novamente a fala se repete. Em nota oficial, a empresa responsável técnica pela obra, Andrade Gutierrez, destaca que o trabalhador não era seu empregado, ao mesmo tempo em que deixa claro que “o acidente não interferiu no seguimento das obras”
Eis o teor da nota:
NOTA DE ESCLARECIMENTO
A Construtora Andrade Gutierrez informa que, por volta das 8h da manhã de hoje, 07/02/2014, um técnico de guindaste de grande porte, funcionário da empresa Martifer, sofreu um acidente nas dependências do sambódromo enquanto desmontava a máquina utilizada nas obras da Arena da Amazônia. O guindaste, que auxiliava os trabalhos da Arena, já estava com as operações encerradas desde 11/01/2014 e desmobilizado em uma área externa. O operador foi socorrido pela equipe de Segurança do Trabalho e levado pelo SAMU até o hospital 28 de Agosto, onde teve seu quadro de saúde estabilizado e foi transferido para o hospital João Lúcio. O acidente não interferiu no seguimento das obras da Arena da Amazônia. – grifou-se
A empresa Martifer Construções Metalomecânica S/A, por sua vez, emitiu nota de pesar, noticiando que iria “apurar as causas do acidente”.
A última morte foi a de Fabio Hamilton da Cruz, que se deu em acidente ocorrido no Itaquerão, após uma queda de oito metros de altura. Fabio, conforme foi várias vezes frisado pelos envolvidos, com difusão na imprensa, era empregado da WDS, uma subcontratada da Fast Engenharia, que fora contratada pela AmBev, que aceitou bancar os 38 milhões de reais para colocação de arquibancadas provisórias, exigidas pela FIFA para que o estádio tivesse a capacidade de público necessária para receber a abertura da Copa do Mundo.

10. A culpabilização das vítimas

A respeito do acidente de Fábio Hamilton da Cruz, o Delegado designado para verificação do ocorrido, após ouvir alguns relatos, um dia depois do ocorrido, sem a realização de qualquer laudo técnico, já concluiu que teria havido um “excesso de confiança” da vítima.
Essa foi, ademais, outra forma de agressão aos direitos dos trabalhadores que a pressa para a realização da Copa acabou reforçando, a da culpabilização da vítima nos acidentes do trabalho.
Ora, como o próprio nome diz, o acidente do trabalho é um sinistro que se dá em função da realização de trabalho em benefício alheio, ao qual, independente da postura da vítima, fica obrigado a reparar o dano, já que o risco da atividade econômica lhe pertence (art. 2º. da CLT) e, consequentemente, é de sua responsabilidade o cuidado com o meio ambiente de trabalho.
É extremamente agressivo à inteligência humana, servindo, inclusive para fazer prolongar no tempo o sofrimento da vítima ou de seus familiares, o argumento, daquele que explora com proveito econômico o trabalho alheio, de que “vai apurar” o ocorrido, deixando transparecer no ar uma acusação, que nem sempre é velada, de que a culpa pelo acidente foi do trabalhador.
Veja-se, por exemplo, o que se passou no caso do Raimundo Nonato Lima Costa, que morreu após uma queda de 35 metros na Arena da Amazônia. Em nota de pesar pela sua morte, a responsável técnica pela obra não teve o menor receio, inclusive, de fazer uma acusação generalizada aos trabalhadores, apontando-os como responsáveis por sua própria segurança. Diz a nota.
NOTA DE PESAR
A Andrade Gutierrez lamenta a morte do operário Raimundo Nonato Lima Costa, ocorrida na noite desta quinta-feira, durante o turno noturno da obra da Arena da Amazônia. A empresa providenciou apoio imediato à família do funcionário e aguarda o resultado dos trabalhos da perícia técnica que foi iniciada pela Polícia Civil com o objetivo de apurar as causas do ocorrido.
A Andrade Gutierrez reitera o compromisso assumido com a segurança de todos os seus funcionários e informa que intensificará o trabalho de conscientização dos operários com foco na prevenção de acidentes.
Por ocasião da morte de Marcleudo de Melo Ferreira, na mesma Arena, já mencionada acima, o secretário da Copa em Manaus, Miguel Capobiango, foi além na agressão aos trabalhadores e desferiu o ataque de que as duas quedas fatais até então havidas na Arena tinham sido fruto do “relaxo” dos operários na utilização dos equipamentos de segurança. “Usar o equipamento de segurança às vezes é chato e nem todos gostam de estar usando. O operário às vezes abre mão por preguiça, então ele relaxa, e é isso que agora nós não podemos deixar”. “Infelizmente, os dois acidentes aconteceram por uma questão básica de não cuidado do trabalhador no uso correto do equipamento.”
E, sobre a morte de Fabio Hamilton da Cruz no estádio no Itaquerão, disse Andrés Sanches: “Na vida, cometemos erros e excessos. Já dirigi carro a 150 km/h. Eu não bebo. Vocês já devem ter dirigido “mamados”. Infelizmente, cometemos erros que acabam em fatalidade. Realmente, é padrão na construção civil.”

11. O retrocesso social e humano da Copa

Bem se vê que o legado maléfico para os trabalhadores brasileiros com a Copa não está apenas nas más condições de trabalho e nos conseqüentes oito acidentes fatais (não se contando aqui os vários outros acidentes do trabalho que não resultaram em óbito), o que, por si, já constitui um grande prejuízo, ainda mais se lembrarmos que as obras para a Copa da África em 2010 deixaram 02 mortes por acidente do trabalho, está também na tentativa explícita de culpar as vítimas, buscando atingir a uma impunidade que reforça a lógica de uma exploração do trabalho alheio pautada pela desconsideração da dignidade humana.
A Copa já trouxe grandes prejuízos à classe trabalhadora e é preciso impedir que se consagrem e se prolonguem, mansa e silenciosamente, para o período pós-Copa. Não tendo sido possível obstar que o Estado de exceção se instaurasse na Copa é essencial, ao menos, não permitir que ele continue produzindo efeitos.
O passo fundamental é o de recuperar a consciência, pois a porta aberta às concessões morais e éticas para atender aos interesses econômicos na realização da Copa tem deixado passar a própria dignidade, o que resta demonstrado nas manifestações que tentam justificar o injustificável apenas para não permitir qualquer abalo na “organização” do evento. Foi assim, por exemplo, que o maior atleta do século XX e melhor jogador de futebol de todos os tempos, o eterno Pelé, chegou a sugerir, mesmo que não tenha tido uma intenção malévola, que mortes em obras são fatos que acontecem, “são coisas da vida” e que se preocupava mesmo era com o atraso nas obras dos aeroportos; que o competente e carismático técnico da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari, ainda que sem querer ofender, afirmou que a solução para o problema do racismo no futebol é ignorar os “babacas” que cometem tais ofensas, pois puni-los não resolve nada; e que o Ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, cogitou pedir para que os cidadãos brasileiros economizassem energia a fim de que não faltasse luz na Copa.
A postura subserviente, para satisfazer os interesses da FIFA, chegou ao ponto extremo de algumas cidades, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Cuiabá, Natal e Fortaleza, terem atendido pedido feito, com a maior cara de pau do mundo, pelo secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, para que as cidades sedes de jogos da Copa concedessem transporte gratuito – algo que o Movimento Passe Livre está lutando, e sofrendo, para conseguir há anos –, sendo que a concessão, diversamente do que tem buscado o MPL, não se destina às pessoas necessitadas, mas aos torcedores dos jogos da Copa, que possuem condições financeiras para pagar os altos preços dos ingressos, que chegaram a ser vendidos, no paralelo, por até R$91 mil…
É de suma importância deixar claro, para a nossa compreensão e para a nossa imagem no mundo, que temos a percepção de todos esses problemas, que não o aprovamos e que estamos dispostos a enfrentá-los e superá-los.
O autêntico efeito positivo da Copa – realizada, ou não – será a constatação de que a classe trabalhadora se encontra em um estágio de consciência que lhe permite compreender que a Copa reforça e intensifica a lógica da exploração do trabalho como fonte reprodutora do capital, favorecendo ao processo de acumulação da riqueza, ao mesmo tempo em que permite a institucionalização de uma evasão oficial de divisas. A partir dessa compreensão, a classe trabalhadora não se deixará levar pela retórica de que o dinheiro dos turistas vai estimular o crescimento e gerar empregos, até porque ao se inserir na mesma lógica capitalista o dinheiro não é revertido à classe trabalhadora, à qual apenas é remunerada, sem o necessário equivalente, pelo trabalho prestado, direcionando-se, pois, a maior parcela do dinheiro em circulação em função da Copa às multinacionais aqui instaladas, especialmente no setor hoteleiro e nas companhias aéreas.
Cada trabalhador, pensando em sua atividade e em seu cotidiano de ganho e de trabalho durante a Copa, ou antes, que responda: teve ou terá algum ganho na Copa que não provenha do trabalho? Este trabalho é prestado em que condições? O eventual acréscimo de ganho está ligado ao aumento da quantidade de trabalho prestado? Que o digam, sobretudo, os jornalistas!!!
Claro que uma ou outra experiência comercial exitosa, desvinculada da dos protegidos da FIFA, pode ocorrer, mas isso por exceção. E, cumpre repetir: mesmo que no geral a Copa produza resultados econômicos satisfatórios, não se terão, com isso, justificadas as supressões da ordem jurídica constitucional, já havidas no período de preparação para o evento, e as violências sofridas por diversas pessoas, e, em especial, a classe trabalhadora, no que tange aos seus direitos sociais e humanos.
Este é o ponto fundamental: o de não permitir que a Copa e a violência institucional posta a seu serviço furtem a nossa consciência, que está sendo duramente construída, vale lembrar, após 21 anos de ditadura, seguida de 15 anos de propaganda neoliberal. A produção dessa consciência é extremamente relevante para que o drama das diversas pessoas, vitimadas pela Copa, não se arraste por muito mais tempo, sofrimento que, ademais, só aumenta quando, buscando não abalar eventual euforia da Copa, se tenta desconsiderar a sua dor, ou quando, partindo de uma perversão da realidade, argumenta-se que as pessoas que são contra a Copa (mesmo se apoiadas nos motivos acima mencionados) fazem parte de uma conspiração para “contaminar” a Copa, apontadas como adeptas da “violência”, sendo que para a ação dessas pessoas (que, de fato, carregam um dado de consciência), o que se reserva é o contra-argumento da “segurança pesada”.
O desafio está lançado. O que vai acontecer nos jogos da Copa, se a “seleção canarinho” vai se sagrar hexa campeã, ou não, não é decisivo para a história brasileira. Já o tipo de racionalidade e de reação que produzirmos diante dos fatos sociais e jurídicos extremamente graves relacionados ao evento vai, certamente, determinar qual o tipo de sociedade teremos na sequência. Boa ou ruim, a Copa acaba e a vida concreta continua e será boa ou ruim na medida da nossa capacidade de compreendê-la e de interagir com ela, pois como já disse Drummond:

Foi-se a Copa? Não faz mal.
Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.

Faltou inflação de pontos?
Perdura a inflação de fato.
Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.

O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
A Copa da Liberdade.


São Paulo, 21 de abril de 2014.