segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Amores contemporâneos: Como me apaixonei por um motoboy

Meu nome é Antonieta Coelha van Gaal, tenho 34, sou médica dermatollogista, filha de empresário judeu holandês. Vou contar a vocês como conheci o grande amor da minha vida.
Era uma tarde de muito calor em São Paulo e eu estava voltando da academia de ginástica; daquela só para mulheres. O suor e a roupa de malha realçavam ainda mais as belas curvas do meu corpo (desculpem minha ausência de modéstia).
Então ele passou por mim, na altura do Sesc Pompeia, na Lapa, bairro da Zona Oeste da capital paulista. Adanagílson fazia sua última entrega do dia. Tão logo me viu, ele mandou um: "TESUUUUDA!", acompanhado por uma ainda mais sonora buzinada. "Bi Biiiiii!".
Aquilo me deixou LOOOOOOOOUUUCA! Aproveitando o sinal vermelho, corri em direção ao sujeito, e dei-lhe uma voadora nas costas. No chão e bastante atordoado, ele gritava: "Desculpa, senhora! Desculpa, senhora!". E eu falei: "Desculpa nada, rapaz. Agora você vai ver!".
Não me preocupei em arrancar-lhe o capacete, mas suas calças. Com destreza libidinosa, manipulei a embreagem do figura. Entendendo minhas intenções, Adanagílson relaxou e fizemos amor ali mesmo, em plena luz do dia, no meio da Rua Clélia. Foi tão rápido que acabamos antes que o camburão da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), que trafegava nas imediações, chegasse.
Nossa filha Motonieta, 14, cujo nome é uma mistura do meu com a profissão do maridão, foi fruto daquele ato. Somos muito felizes. E sempre a instruo a prestar atenção em todas as cantadas e buzinadas de rua que recebe. Dependendo da entonação, da duração de certas vogais e da intensidade do toque da buzina, ela poderá identificar o grande amor da vida dela.


Texto de Ad Luna originalmente postado em http://interdependente.blogspot.com.br/

domingo, 4 de janeiro de 2015

Uma São Silvestre em minha vida

Cerca de meia-noite e acabo de falar com Marina, me despeço dela para dormir bem para a São Silvestre (o que no meu caso representa 4 ou 5 horas). Acordaria 5:00. Estava tudo bem dentro do meu planejamento. A última passada na cozinha, banheiro e me deito. Uma mensagem no celular e uma amiga em uma noite não muito feliz e talvez tenha levado 2 horas conversando com ela, afinal de contas, eu não era um corredor profissional e preferia ajudar uma amiga do que ter um tempo ligeiramente melhor. Meu tempo para dormir havia caído e agora estava abaixo do ideal e isso talvez tenha despertado a famigerada ansiedade. Empurrei o despertador para 5:45h mas demorei para dormir. Última vez que olhei ao relógio, ele apontava 3:50h

5:45h e o despertador toca e com 45 minutos a menos, não tinha tempo para fazer as coisas lentamente como inicialmente pensei. Comi, me vesti (havia tomado banho antes de deitar) e fui. Desço de elevador e ao chegar no carro, última vistoria de todo o apetrecho necessário que incluía desde o chip para corredores, quanto barra de cereal para comer durante a prova, passando por número do atleta (atleta? Eu? Produção?) e fones de ouvido para escutar o aplicativo que uso para correr. Havia esquecido o fone. Titubeei. Posso correr sem ele... não quis alterar o que sempre faço e perco alguns preciosos minutos indo buscar o fone.

De volta, pego o carro. Iria dirigir até o metrô Vila Madalena, mas nessas resoluções ansiosas que você não sabe se fato melhora alguma coisa, vou até a estação Sumaré e paro o carro. Desço na estação e quando passo na catraca do metrô... não passo. Não havia saldo no bilhete único e lá vai eu carregar o tal. Embora as 6:43h não houvesse fila, o bilhete único do qual uso por 11 anos teima em dar problema justo dessa vez. O que costuma levar uns 25 segundos não se concretiza em alguns minutos. A ansiedade toma cara de impaciência e desisto. Peço meu dinheiro de volta e em vez dela apenas me devolver R$10,00, ela faz questão de me dar a nota de R$20,00 dada para que eu devolva o troco que já estava solto dentro da carteira naquelas tradicionais sacolas de corredores onde você não encontra nada a não ser se praticamente virar a carteira inteira. Achei que não conseguiria chegar a tempo no ponto de apoio da 4any1 que estava marcado para 7:00h. 7:03h é atraso?

Largada seria apenas 9:00h, então estava eu ali comendo mais alguma coisa e após as últimas palavras com os treinadores Aulus e Edmilson, fui munido de uma pequena garrafa de água e duas barras de cereal para o vão libre do Masp onde me encontraria com Bruno de Almeida para instruções sobre a entrevista que daria ao vivo na corrida. A melhor parte na verdade foi ser colocado no pelotão elite b, onde encontrei para a minha surpresa Zélia Duncan.

– Hey querida, onde vai passar a virada?
– Em casa no Rio, termino a prova e vou para o aeroporto. Cansei de ficar abraçando quem nem conheço.
– Provavelmente o cara que te xingou meio-dia no trânsito né? – Risos de todos que estavam próximo.

Demétrius e Zélia

Havia gente se aquecendo por quase uma hora. Fiz o de sempre. Uns dez minutos apenas e conversando com Zélia, Vander de 65 anos que pagaria sua promessa depois de 50 anos e sua filha Janaína, que tornou-se treinadora de corridas e viabilizou o sonho do próprio pai.

Vander, o repórter Alexandre Oliveira e eu

Dada a largada e os poucos metros da elite fez diferença para eu ter uma largada correndo e não caminhando, mas logo, em questão de segundos, uma multidão já atropelava-me. Na saída da Paulista para o acesso da Dr. Arnaldo, seria impossível dizer que larguei em tal pelotão, mas eu corria e corria bem. Nem senti a primeira subida. Vi Zélia e tentei me concentrar. Exatamente enquanto pegava o primeiro trecho de subida considerada, o fone de ouvido me da o tempo (de cinco em cinco minutos), com a distância percorrida e percebi que entrei no ritmo de "estouro da boiada". Estava com o ritmo muito mais acelerado e ainda em subida. Isso poderia comprometer a minha corrida. Bendito fone.

Pequeno trecho da Dr. Arnaldo e a descida mais íngreme, o que é uma tentação de largar o pé e deixar a gravidade fazer sua parte, mas é um erro básico inicial de corredores. Dessa forma, muita gente me ultrapassa com velocidade absurda e eu tentando diminuir a velocidade segundo meu aplicativo. Foi difícil. Quando o relógio marcou dez minutos, eu havia baixado muito pouco desse tempo na verdade e então deixando já o estádio para trás sou encontrado pela equipe da Globo que tentaria uma entrevista comigo durante a corrida. Uma equipe contendo 4 pessoas da Globo correndo em minha volta e para efeito de garantia, a entrevista foi feita correndo duas vezes ao repórter Alexandre Oliveira. Dois minutos talvez tenha levado tudo? Qual o estado físico da equipe para acompanhar-me? Só sei que finalmente estava solitário na multidão e senti o quanto a entrevista quebrou minha concentração e ritmo. Senti que tinha que me concentrar para conseguir concluir.

Sim, correr é solitário e leva tanto tempo que o mundo passa por sua cabeça e muita coisa acontece ali. Na reta da Pacaembu eu serenei o coração e a alma e corri em direção a minha casa, entrei para o lado da Barra Funda e contornei o memorial da América latina. Locais que eu já havia corrido e que faz diferença para quem corre. Quando ele finalmente pega o viaduto Pacaembu, relativamente longo e pesado, ainda não senti, mas a temperatura também ia subindo e olhava a cada relógio de rua a temperatura. Tinha como estratégia não perder um só ponto de hidratação, afinal não consigo beber muito água enquanto corro. Basicamente molho a boca seca e tomo literalmente um gole. Despejo parte da água sobre o próprio corpo para diminuir a temperatura corporal e sigo em frente. Esse acabou sendo o trecho mais tranquilo, em compensação meu calvário começou no viaduto Eng. Orlando Murgel com mesmo nível de dificuldade técnica da Pacaembu.

Aquelas coisas que nunca acontecem acontecia de novo. O famoso pênis resolve se acomodar de um jeito incômodo dentro da bermuda. Correr incomodado por mais 7 km? Não, mãozona para dentro do short para reacomodar o garotão sob o risco de uma câmera registrar o corredor com a mão dentro das calças e um meme estourando logo no primeiro dia de 2015.

Agora eu entrava na avenida Rio Branco para pegar a Ipiranga e entrar na av. São João. Pô Caetano, eu pensei que alguma coisa aconteceria em meu coração, mas aconteceu no meu psicológico querendo me derrubar. Não sabia eu que o percurso forma um coração nesse trecho e que passaria pelo cruzamento de volta vendo uma multidão impressionante de corredores. Já corria por uma hora, mas o corpo sentia ter largado com velocidade acima da minha média.

Pouco mais de 12 km. Viaduto do chá. Logo mais estaria chegando na destemida av. Brigadeiro Luis Antônio e algo que nunca me aconteceu. Não fazia um calor tão forte assim visto os dias anteriores e já corri com temperaturas mais elevadas, mas sim, fazia calor e muito, mas eu, senti um calafrio rasgar minha coluna e senti frio. Um frio esquisito por cerca de 250 metros. Justo eu que não sinto frio, mas passou. Era apenas o psicológico. Eu que sou acostumado a gerenciar isso tendo que tocar em palcos por anos e anos estava agora fora da minha zona de conforto.

A Brigadeiro enfim chega. Olhar para aquela reta de 1,8 km subindo rumo a Paulista e gente gritando coisas de todos os tipos sendo para se encorajar, encorajar os outros ou sei lá o que, era visto. Também foi a hora que mais vi gente estirada no chão, gente desistindo, sentada nas calçadas, recebendo ajuda médica ou mesmo chorando. Também vi Zélia novamente e a danada me deixou para trás na Brigadeiro. Confesso que ao fim de escalar o temeroso trecho, mandei um – Chupa Brigadeiro (embora apenas mental),

Virei a direita e avistava a chegada. Voltando ao plano e já tão perto do fim, não senti mais esse final. Pelo contrário, entrei na efusão dos populares que incentivavam os corredores e correria mais 2 km fácil no plano se preciso fosse.

A medalha que tem uma representatividade muito mais simbólica do que real, estava em minhas mãos e voltei ao posto da 4any1. Só quem se aventura a correr algo do tipo sabe o quanto isso é algo de superação física e sabia que várias pessoas que havia conhecido nos últimos meses terminariam a prova. Entre eles, destaco Rita, Luiz e Viviane que sabia que terminariam a prova cada um com suas histórias, tempos e dificuldades, mas eu só iria embora depois que Flávia chegasse. A maior distância que ela havia feito até hoje era 12 km e embora nunca nem tenhamos conversado muito, vibrei internamente quando a vi chegando com a medalha e agora podia ir embora.



Entrei no carro, sentei e chorei. Não sei se foi de alegria, mas de tristeza não foi. Era um alívio e era bom. Das coisas que me propus a fazer na vida, a São Silvestre foi cumprida...

P.S.: Meu tempo foi de 1:37:33. Apesar das dificuldades, tempo ainda abaixo do que projetei.