sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Salvando o dia


Acordo poucos minutos antes do meio-dia. Não fosse a insônia habitual e teria dormido bastante, mas acostumei-me a ver o céu mudar a sua cor. Ainda antes de levantar-me, percebo que outra companheira sempre presente em minha vida também estava ali, mas dessa vez parecia vir com marretadas em minha cabeça. Letargicamente enfio-me debaixo da ducha tentando sentir um pouco de prazer em minha vida. Mas a tristeza que me obrigava a sair dali poderia enfim ser consolada enquanto eu apreciava o meu desjejum...mas não o apreciei. Aquilo era um presságio de que meu dia realmente seria enfadonho. Na caixa de correios, uma multa de trânsito que terminaria por minar a minha saúde financeira. A física devo ter perdido uns 4 ou 5 anos atrás em um boteco e a mental não deveria ser eu a pessoa a julgar.Ainda existia uma busca por algo que reconforta-se o meu dia.

A música. Sim...sempre ela. Peguei os fones de ouvidos que foram acoplados ao meu celular. Ao menos isso me congelava em um mundo paralelo e juntamente com meus óculos escuros e uma cara de poucos amigos e ninguém ousaria falar comigo pelo menos até chegar aquele banco onde eu teria que vestir a carapuça de simpático caixa. Extremamente irritante ser agradável a força. O volume tinha que estar razoavelmente alto para as pessoas pudessem perceber o quanto eu era malvado. Rage Against The Machine fazia bem sua função. Acho que meu som empolgou São Pedro. Enquanto Zack de La Rocha berrava "Bulls on Parade". O Santo provedor das águas derramou toda a que podia sobre a minha cabeça.


Foto por Demétrius Carvalho

Resultado: Adentro o metrô já sem o som ou os óculos escuros. Isso era desesperador naquele momento. Estava sem disfarce e completamente a mercê de qualquer criatura simpática. Lógico que ela apareceu em forma de uma encantadora senhora que simpaticamente conversava comigo. Droga. Pelo menos no banco eu era pago para ser legal e simpático, mas ali. DROGA! Os poucos minutos até a minha estação pareciam não ter fim. Finalmente quando chego no banco e checo minha conta, vejo que uns depósitos não haviam caído. Lindo. Não teria dinheiro para pagar o aluguel e 10% a mais amanhã, somado a multa de trânsito era quase dar um tiro no pé e alguém dizer para você sorrir. Acho que era bem por aí. Nada naquele dia era capaz de espantar essa nuvem negra de minha cabeça.  

Finalmente estava eu ali dirigindo-me ao caixa para ver e manusear dinheiro o dia todo. 1% do que girava em minhas mãos por dia era o suficiente para solucionar meus problemas. Para piorar, logo no primeiro cliente, pego um que não entende algo em relação a sua conta de celular e simplesmente ele não entendia como eu poderia não entender da conta dele. Confesso que por uns 5 segundos não escutei uma só palavra do que ele estava berrando sobre mim. Não foi pelos gritos que afastei-me um pouco, mas sim pelo fato da minha elegância paga pelo banco que não permitiria que eu dissesse que ele não precisava me cuspir. Quando afastei-me, levantei novamente a cabeça e em seu peito, um brochê do time que eu mais odeio. Como o banco não me pagava pelos meus pensamentos, vi-me arrancando a caixa registradora e saltando por cima da cabine que nos separava. Em minha cabeça isso era em câmera lenta e em silêncio profundo. O som só se restabelecia para ouvir o som do sangue escorrendo-lhe da testa bem vermelho em um enquadramento preto e branco. Devo estar vendo muito filme do Tarantino...melhor voltar para a vida real.

O cliente (não podia chamar aquela anta de animal) ainda berrava e o sinal sonoro em meu celular de que uma mensagem chegava foi uma covardia. Não havia pior hora, local para receber essas mensagens. Peguei a conta da mão do infeliz como quem fosse tentar entender o seu problema. Era a forma que eu era pago para mentir. Dobrei apenas para a área restrita do banco. Nem olhei para a conta. Já sabia que lhe diria que ele ia ter que entrar em contato com a operadora. Queria apenas ver a mensagem em paz.

Oi Querido. Acordei pensando em vc. Acho que me enfeitiçou.  Não vejo a hora de acabar seu dia pra eu te fazer carinho...

Parece que um banho de bálsamo em um dia de spa arrebatou-me aos céus de tal forma que nem mais senti o dia passar.

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