segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Traçando outros caminhos



Antes de ser estilista eu sou fotógrafa, fiz faculdade no Senac, e as vezes fazia alguma roupa pra mim, a mão, só com uma agulha simples, demorava muitas horas. Eu morava em Diadema e recentemente vim morar no centro de São Paulo, e passando na rua vi um tecido lindo e já imaginei como modelaria. Modelo a partir da estampa. Pois a estampa influencia no caimento, na forma da roupa. 

Eu já estava pensando em desenvolver um projeto em Moda porque abriu no PROAC um edital que incentiva Moda, e este ano moda passou a ser considerado arte, podendo ser patrocinado também através da Lei Rouanet. Mandei um projeto pro PROAC que não foi aprovado, mas serviu para desenhar os croquis e desenvolver o conceito da marca. O conceito é misturar nas roupas a cultura Afro e a cultura Nipo (japonesa). Eu vejo muitos encontros estéticos entre as roupas tradicionais das duas culturas, alem de eu ser filha de uma afro, com um japonês. Eu busquei nas minhas origens inspiração pra criar, comecei pesquisando, mas logo passei pra pratica. O primeiro vestido que fiz nesse processo já foi um sucesso: O vestido Miriam Makeba. 

Foi tudo muito rápido. Costurei o vestido e fui pra balada com ele. As pessoas me paravam pra saber onde comprei. Então no dia seguinte comecei a costurar outros vestidos e postei no facebook. "Alguma mulher maior que eu poderia vir provar uns vestidos que estou fazendo." E para minha sorte, uma garota que conheci numa festa disse que viria e veio. A sorte é que ela é negra, alta e linda. Cici Andrade a moça da foto, que se tornou a partir dai uma parceira. Ela é cantora. Postei a foto no meu facebook e recebi um monte de encomendas. Mensagens de interesse. Corri e comprei uma maquina de costura com ajuda da minha família. Era meu aniversário. Normalmente eu passo fazendo festa, mas passei trabalhando nisso. Fui atrás de tecidos com as minhas economias. A máquina chegou dia 28 de outubro. Li o manual, fiz alguns testes, porque nunca fiz curso. E comecei a costurar todos os dias umas 12 horas por dia. Consegui dar conta dos trabalhos de fotografia também. Aliás a fotografia me ajuda muito, pois já faço e já fotografo e posto. Foi um mês muito intenso, pois sendo novembro o mês da consciência negra, fui convidada pra muitos eventos: saraus, festas em baladas. (2 Festas Obá, uma na Confraria Nossacasa e outra no Morfeus, 2 Saraus Identidade das Mulheres Negras e um desfile no Sarau das Rosas). 



Também fui no Mercado Roque Santeiro que é um bazar, e no Bazar da Casa 5. Vendi também nos eventos que fotografei nos equipamentos da prefeitura de São Paulo: Fabricas de Cultura e CEUs. Fui contratada para fotografar o projeto Espetáculo que ocorre no Fabrica de Cultura e para fotografar os shows do Fabio Nunez que ocorreu no CEU Navegantes e no CEU Alvarenga. 

A grande dificuldade que tenho encontrado é com o fornecimento de tecidos africanos. As encomendas atrasaram, os tecidos são difíceis de obter igual ao que já se comprou, e são caros. Mas são lindos, e o fato de serem relativamente raros no mercado traz destaque às roupas. Mas já tenho um fornecedor que é capaz de repetir tecidos, importa. Mas tecidos japoneses eu ainda não tenho. Queria tecidos com estampas tradicionais, não contemporâneos como mangas, pelo menos por enquanto. O que eu tenho feito é utilizar tecidos e formas que remetam ao trabalho de artistas mulheres japonesas e africanas, ou afro descendentes, e tenho homenageado essas mulheres dando o nome delas aos vestidos. É uma maneira de ampliar a divulgação do trabalho delas, pois posto fotos e vídeos e atiço a curiosidade das pessoas que acessam a minha página. Até agora foram homenageadas: Miriam Makeba (cantora), Clara Nunes (cantora), Glória Bonfim (cantora), Carolina de Jesus (poeta),Clementina de Jesus (cantora), Lia de Itamaracá (cantora de ciranda), Dandara (guerreira e esposa de Zumbi dos Palmares), Yemanja (entidade afro-brasileira), Yayoi Kusana (artista da exposição Obsessão Infinita), Yoku Ono (artista companheira do John Lennon), Kaori Momoi (atriz do filme Memórias de uma Gueixa). 

Eu me sinto com uma criatividade infinita porque cada pessoa, cada corpo, cada tecido, sugerem novas coisas. Tenho trabalhado muito e apaixonadamente. Sinto uma certa tensão na minha vida pessoal por conta de ficar muito tempo trabalhando e ter pouco tempo para a família e amigos, mas tenho tido ganhos sociais também, conhecido muita gente interessante, feito belas parcerias. Umas das minhas parceiras é a Lilia Reis do Coletivo Diadenêgas, ela é performer e contadora de histórias e pelo coletivo faz ações relacionadas as demandas das mulheres negras. Outra parceira é a Miriam Selma do Coletivo Levante Mulher, que me convidou para fazer o desfile no Sarau das Rosas produzido pelo coletivo. Também tenho tido muito incentivos individuais, as pessoas tem gostado muito do trabalho. Minha vida mudou muito, me sinto uma mulher muito empodeirada, e nem parece que faz tão pouco tempo que tomei esse rumo. 

Há muitos anos sou feminista, mas não via as vestimentas como vejo agora. Numa conversa com Aline Maria, minha amiga, ela me disse: "Que bacana suas roupas, é tão bom ser independente no vestir, assim como no se alimentar. Não estar refém dos outros. Eu adoro cozinhar, faço como eu quero." Eu não via como um poder, mas agora sei que é. Eu determino o que vou usar. Tenho feito roupas sob-medida e percebo que o mercado não contempla a variedade de corpos que existem, preferem forçar a barra para que as pessoas entrem nas roupas, tanto em relação a magreza quando em relação a cultura, em vez de fazer roupas que sirvam nas pessoas, roupas em que elas se identifiquem, que atendam as necessidades delas. Entendi que o mercado não é feito para atender necessidades é feito para acumular riquezas. Eu não sou contra a prosperidade no entanto. Sou próspera e quero continuar próspera e ajudar as pessoas a prosperar. Ser uma mulher próspera é ser livre, dando conta das próprias necessidades materiais, e ser realizada. 

Outra amiga comentou que sua prima fez faculdade de Moda, mas não sabe o que fazer. Acredito que isso aconteça porque uma boa ideia precisa de repertório, de diversas vivências que vão ampliar o olhar pro mundo e pra si mesma. Produzir algo criativo é como parir algo que se gestou um tempo. Apesar da velocidade com que me tornei estilista, os pré-requisitos que embasam meu trabalho eu desenvolvi ao longo da vida. Viver no centro de São Paulo é um fato que possibilitou esse caminho, devido a efervescência cultural daqui, da maior liberdade individual, mais reflexões políticas, e das facilidades estruturais como metrô e proximidade dos fornecedores. Eu dei a cara a tapa, e fui experimentando coisas, agora estou avaliando o que vivi esse mês, para definir como seguir. Tudo foi surpreendente, eu não esperava por tamanho reconhecimento, mas preciso ver o que eu consigo dar conta a partir de agora, ou melhor, como vou dar conta, e do que vou dar conta. 2015 promete!



Contato de Lígia Oki: ligiaoki@gmail.com ou em sua página no Facebook.

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