sexta-feira, 14 de outubro de 2016

42k em 42 anos

Foto: Daniela Gianelli


Buenos Aires, 9 de outubro de 2016

7h25 da manhã. Temperatura de 7,6ºC. Um medo apertado mas agora era ir. Faltavam 5 minutos para a largada da maratona.

42k em 42 anos é uma alusão à idade que tenho atualmente e o desejo de fazer os 42k aos 42 anos. 7h30 e é dada a largada que deu-se de uma forma impressionantemente tranquila (o fato de ser uma prova onde só havia a distância da maratona impediu o efeito do estouro de manada). Fiquei socado no meio de milhares de corredores e meu pace no primeiro minuto foi de 7:05 mas me mantive tranquilo. A compactação de corredores no entanto me preocupou por volta do quinto minuto. Precisava me desvencilhar do restante para não prejudicar muito meu tempo final (embora eu não tivesse certeza de que conseguiria). Fui para a calçada e consegui desenvolver um pouco mais de velocidade e a mantive sem maiores problemas até o k 7.8 onde havia uma subida razoável para uma maratona praticamente plana. Até mesmo pelo fato de ser muito no início da prova e sequer senti esforço para vencer esse trecho.

Alguns poucos metros passava ao lado do Obelisco da cidade. Um ponto turístico em uma rua com um ar que mistura a av. Paulista com as imediações do Ibirapuera. Gente nas ruas incentivando e eu pensei que tinha que curtir muito aquele momento, pois ainda havia muitos quilômetros pela frente para sentir a dureza da prova. A primeira por sinal já me incomodava. Consegui chegar ao ponto de largada 7h15. A vontade de urinar foi vencida pelas gigantescas filas para os banheiros químicos. Acreditei erroneamente que ela passaria e por volta do k 15 ela realmente começou a me incomodar. O que piorava a cada posto de hidratação onde bebia um pouco de água (por uma série de razões que outrora posso comentar, bebo bem mais água, isotônico ou o que for durante as provas).

Entre os k 18 e 19, adentramos um bairro bem simples de Buenos Aires e passando em frente ao estádio do Boca Juniors alguém grita "dale River". Lá como cá torcedores do Boca em resposta começaram a cantar alguma música do Boca.

Um pouco depois do k 19, adentrávamos um setor portuário e a essa altura eu já pensava em ter que parar para urinar até em que passei por mais um "Dj point". Eram dj's distribuídos durante a prova para dar aquele gás nos corredores com o som. Tocava "Sympathy for the devil" dos Stones e me perdoe meu Deus, mas o diabo me deu uma força com essa música que até esqueci momentaneamente a vontade de ir ao banheiro.

No k 21, onde temos o que seria a distância da meia maratona, um relógio que mostrava que eu estava dentro do tempo previsto (muito no limite pelos minutos iniciais perdidos, mas estava), mas o tempo começa a correr de mim (e não comigo) no k 24 quando a vontade de urinar já se fazia em forma de dor, afinal, continuava minha tática de hidratação e cada gole era um desconforto. Eu tinha que decidir se parava para ida ao banheiro e perdia alguns segundos ou se eu comprometia toda a prova não sabendo como responderia o meu corpo com mais 18k segurando essa vontade.

Dei uma saída para uma rua lateral e perderia alguns segundos, mas simplesmente não parava mais. Deve ter sido quase um minuto e vendo a multidão ir embora. A tal multidão era ainda muito compacta e perdi o contato das pessoas que corriam comigo por quilômetros mas se por um lado, perdi talvez um minuto, parece que voltei sem um peso (literal) e essa descansada me vez correr bem mais confortável por vários quilômetros.

A coisa começou a pesar mesmo depois do k 30. Não só pelo tal "paredão" do qual na verdade eu já nem estava mais preocupado com minha parada para o banheiro, como pelo fato que pegamos um vento que inicialmente pensei ser só minhas forças se esvaindo, mas soube que o vencedor do ano ano passado com 2h12 foi o mesmo desse ano que chegou reclamando do vento que lhe empurrava. Esse ano ele fez 2h30. O sol abriu pesado contrário as previsões do tempo e já era possível ver o desconforto na face de muitas pessoas, gente caminhando, mancando. Eu tive que me concentrar muito pois naquele momento, era puro sofrimento e tínhamos uma subida considerável de um viaduto no k 36 e ele foi quase mortal. Tanto que eu praticamente trotei por quase um quilômetro ao seu término. Já começava a fazer contagem regressiva. Os trechos mais difíceis haviam sido superados. Avistei então uma pessoa na minha frente caminhando com um rosto de quem não sabia se continuava ou desistia. Por essas grandes coincidências da vida, ele estava com a camisa de meu time e antes de chegar nele cantei o primeiro estrofe do hino, ele cantou o segundo e começou a correr novamente, cantei o terceiro e do quarto para frente cantamos juntos até o fim. Chegamos em um pequeno declíve e ele chorando me agradeceu. Esse pequeno declíve subia de volta logo após passar por um viaduto. Eu acho que só continuei para dar forças para ele que começou a chorar novamente e caminhar e me despedi dele falando que só faltava 4k e que agora seria plano e que ele não parasse. Ele concordou com a cabeça e fui para 2k infernais...

Ajudar esse corredor me ajudou e muito. Se de alguma forma se isso chegar em você, saiba que me ajudou muito. Depois foi terrível chegar ao k 40. Eu que nunca havia chegado nessa distância vibrei muito mentalmente e não pararia mais de forma alguma. k 41. Já estava dentro do parque de volta. Meu marcador já contava os 42k que viraram quase 43k no de muita gente mas eu estava impressionantemente inteiro. Ao longe eu pensava ver a chegada com luzes verdes piscando que era uma ambulância. Depois disso, com os olhos fixos para frente eu tomo um susto, uma voz familiar do meu lado gritando "Vai, vai. não para, está bem ali, você conseguiu". Era a minha mulher que pegou em minha mão e correu uns 800 metros comigo. Dei um beijo nela e todo mundo em volta vibrou e aplaudiu. Disso também nunca me esquecerei e ela de calça comprida chegou cansada. Ela imaginou que eu chegaria mais lento, mas fiz meu último k com pace de 5'16" embora tenha sido a adrenalina e energia do final. O tal do sprint final, pois meu rendimento já estava abaixo disso.

Cheguei, chorei, agradeci e embora não tivesse de forma alguma arrependido, queria ver como meu corpo reagiria para ver se vale a pena continuar nessa.


Como já escrevi anteriormente, tenho uma maratona inscrita apenas para abril agora e por hora quero apenas descansar. Estou incrivelmente bem e inteiro. A vontade de ir para a rua correr é imensa, mas só 10k domingo que vem em uma prova já em São Paulo que farei curtindo a prova. Será o recomeço lento. Sem corrida desenfreada por baixar tempo.

Em tempo, me perguntam o que faço profissionalmente. Sou músico.

Os textos anteriores sobre como cheguei na maratona se encontram percorrendo o blog (assim como o da São Silvestre).

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Quem não tem dinheiro não faz faculdade



Essa foi a frase atribuída ao deputado Nelson Marquezelli (PDT-SP) que é um dos líderes da bancada ruralista e está em seu sexto mandato.

O Próprio sai com uma nota dizendo que sua frase foi colocada sem contexto. Segue a seguir ela na íntegra:

"O Estado não pode gastar mais que arrecada.
Defendo a gratuidade para a população de baixa renda em instituições públicas, mas subsidiar a quem tem condições de pagar a universidade sou totalmente contra.
O ajuste da PEC não retira nenhum centavo para educação e saúde, mas por outro lado a aprovação da matéria possibilita um freio em orçamentos inflados, aumentos irreais e expectativas financeiras que destruirá a previdência pública.
O Brasil precisa ter a responsabilidade de administrar o dinheiro público com profissionalismo e retidão.
Remédios amargos são necessários para um momento difícil da economia nacional.
Volto a repetir, sou favorável a uma educação de qualidade e contra subsídios do Estado para quem pode e deve pagar por sua instrução.”
Em compensação, temos o vídeo de onde a frase foi "extraída fora de contexto" para que possamos confrontar com seu pronunciamento:


De seu pronunciamento eu concordo que o Brasil não pode gastar mais do que arrecada, no entanto é completamente ingênuo acreditar que aquele garoto da periferia que trabalha o dia inteiro e estuda de noite está em pés de igualdade com quem possa estudar o dia inteiro. Não julgo de forma alguma quem tem tais condições. Quisera eu que na verdade todos os candidatos tivessem as mesmas condições.

Em tempo, o deputado ruralista foi o autor de um projeto que reajustou em 60% o salário da classe para que não precisam mais fazer "bico". Também foi o autor de um projeto que obrigaria as escolas a utilizarem do suco de laranja na merenda escolar para que fossem habilitadas à receber tal benefício. Se isso te parece nobre, o que me diz quando sabe que o homem em questão é um dos maiores produtores de laranja do país?


terça-feira, 4 de outubro de 2016

Quando se fala, mas não se faz


Para quem já viu o desenho do Sr. volante x Sr. Andante da Disney com o Pateta como personagem principal, penso que eu tenha encontrado ele trabalhando.

Ontem deixei minha casa para dar aula de ônibus e logo ao adentrar o veículo, o motorista conversando com o cobrador (ou seja, praticamente o ônibus inteiro) vinha dando suas lições de moral com total aprovação do cobrador baseado em sua fé. Dizia e mostrava o quanto o povo da igreja dele era correta, que isso, que aquilo, que não se metem em uma confusão:

- Pode procurar na minha vida!!! Dizia ele quando de repente ele quase colide com um motociclista que lhe ultrapassava pela esquerda como deveria. De certo que o ônibus estava errado pois apenas no quarteirão anterior deveria mudar para a faixa em que se encontrava. Daí o rapaz da moto que visivelmente trabalhava, toma não só a faixa que divide as pistas como tende a vir pela do ônibus e ainda por cima mais devagar do que normalmente andam fazendo com que o ônibus estivesse colado sobre ele. Um perigo? Sim, mas também um sinal de provocação do motociclista aceito pelo motorista. Assim seguiu-se da rua Clélia até a Francisco Matarazzo. Obviamente que a situação ficava cada vez mais tensa. Freadas cada vez mais forte atrás da moto, olhares, xingamentos e gestos. Um verdadeiro pandemônio, até que uma hora a moto se desvencilhou (ou finalmente quis) e se foi embora.

O Motorista de ônibus volta tranquilamente a pregar a sua doutrina. 

Ele provavelmente deve ser contra a corrupção e talvez até o seja na verdade, mas eu não tenho dúvidas do que andar de ônibus em São Paulo é entender um pouco a complexidade do povo. É um verdadeiro estudo antropológico.

Para quem nunca viu o desenho, segue ele:




P.S.: A política no Brasil não se faz de forma muito diferente disso não...

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

FaceBoolha



Para quem votou em São Paulo especificamente, posso imaginar dois cenários ao dia posterior das eleições.

1. A pessoa acorda feliz com a vitória de Dória, o que lhe parecia óbvio segundo sua timeline da maior rede social usada no momento;

2. A pessoa acorda desesperançosa e caindo-lhe a ficha de que vive uma bolha, pois sua timeline era só "amô"  com o povo que votaria em Haddad ou Erundina.

Ao meu ver, o que elas parecem que ainda não se deram conta (ou insistem em não perceber), é que vivem em bolhas. Os famosos algoritmos da rede em que muito provavelmente você teve acesso a esse texto por exemplo.

Uma coisa que vi também nesse período era alguém de certa forma reclamando de que não havia gente para conseguir mudar voto em sua lista de amigos, afinal, todos já "fechavam com ele". Talvez exatamente pelo fato de que essa pessoa conscientemente ou não já tenha excluído aquelas pessoas que pensam diferente de você (e olhe lá se ela não prega o respeito pela diferença dela).

Temos que pensar e repensar nosso mundo que não se resume ao mundo virtual. Nas ruas, cruzo com pessoas que pensam ou é diferente de mim por todo o momento, mas quando vou cruzar a catraca do metrô do qual vejo uma pessoa visivelmente completamente diferente de mim, não posso desfazer a presença da pessoa na minha frente como se faz nas redes sociais. Tenho que conviver com ela e isso é um exercício de respeito ao diferente (assim como o outro também deve estar olhando para você e pensando o quão diferente você possa ser).

Alguns papos vão surgir como a culpa é de quem votou na Erundina (A culpa do Russomano não ter sido eleito é de quem votou em Dória?) E na boa? Continuo achando que a classe política nada de braçada enquanto o povo se divide e familiares deixam de falar um com outro por causa disso.

Ainda ontem em churrasco na casa de amigos enquanto eram computadas os resultados das eleições, eu falava aos presentes. O problema não é exatamente esse ou aquele vencer as eleições. O problema é: Esse processo realmente tem servido para a população em geral? Pode apostar que para boa parte sim...

P.S.: Ainda saindo da cabine de votação ontem comentei: Me sinto em um circo, do qual obviamente eu sou o palhaço...

domingo, 2 de outubro de 2016

O lado que ninguém conta de se chegar em uma maratona III

Veio a segunda meia maratona onde completei o percurso correndo. Foi difícil? Sim. Me trouxe alegria? Sim e então a vontade de novos desafios. E nesse aspecto, creio que exista uma lacuna entre as distâncias. Não são comuns corridas com mais de 21k e menos de 42k para aos poucos ambientar o aspirante maratonista, mas das possibilidades que se mostram aos corredores de rua, temos a Maratona de São Paulo que oferece e alternativa de 15 milhas (ou 24k). Já é algo e fui eu para mais uma prova.

Querem a boa ou a ruim? 

A ruim é que foi uma prova debaixo de um calor nada confortável e eu continuava naquele processo de não estar cem por cento e continuar correndo (um pouco da teimosia de corredor que conhecemos, mas que pode acabar com o futuro em tal prática). Por volta do quilômetro 17, senti que "quebraria", então me preparei mentalmente para concluir 21k (ou mais uma meia maratona) e continuar como desse o restante. Assim foi. Sinalização de 21k e dei uma caminhada para retomar o fôlego. A boa notícia é que daí para frente eu não quebrei mais nenhuma meia maratona (vou considerar as 15 milhas como meia ok? Tendo então 6 meias completas e a primeira que quebrei faltando cerca de 600 metros).

Mas sabe qual foi a melhor do que a boa?

Comecei a chegar cada vez mais inteiro ao final das provas, fui conseguindo melhorar meu tempo (embora ache que se você não é profissional, esse não deve ser o seu único foco).

Meia maratona de Campinas (Foto: Daniela Gianelli)


Abro aqui um parêntese. Não sou corredor profissional ou sequer profissional da area de saúde ou esportiva, então não há embasamento científico do que aqui vou dizer. É apenas a sensação que tenho como praticante da corrida. Dentro desse raciocínio, quem me conhece de perto sempre ouve eu falando: 5k todo mundo que quiser, salvo algum problema, com um mínimo de disciplina corre. 10k seria mais do que ótimo para deixar a saúde em dia. A São Silvestre com seus 15k seria o a prova de superação das pessoas normais, mas ok, se você realmente está adaptado ao mundo das corridas e realmente ama o que faz, 21k ok. Daí para frente, acho que algo acontece na nossa cabeça, pois a maioria das coisas envoltas à maratona é desumano, desnecessário. Sem contar que não tem como, vai afetar sua vida e de seus familiares e pessoas que convivem com você.

Acho que muitas pessoas não deveriam se aventurar nessa viagem (inclusive eu), mas, uma vez que você comprou briga...

Os treinos para uma maratona não precisam necessariamente chegar aos 42k ou até mesmo mais como imaginei inicialmente, mas a carga e o desagaste vai cobrar um preço grande de seu corpo, articulações e até mesmo sanidade mental. Você vai ter que ler bastante sobre o assunto e ouvir pessoas que passaram pela experiência. Elas podem realmente te ajudar muito e você pode perceber inclusive que aquilo que funciona para a maioria das pessoas, não serve para você. Eu teria uma infinidade de coisas para falar a respeito e posso vir a entender minhas palavras sobre. Por hora me detenho no mito do paredão por volta do quilômetro 32. Bem fácil de pesquisar na net para quem desconhece o assunto, mas é uma hora que seu corpo parece não responder mais e os 10k finais se tornam infinitos e inacabáveis.

Pois bem, tenho algumas vantagens ao meu favor quando corro como aguentar o frio de uma forma que todos se surpreendem, mas talvez pela minha compleição física, com quase 1,90 de altura e assim tenho uma sobrecarga para carregar que talvez não me capacitasse inicialmente à este esporte. Resumindo, Me divirto e muito em uma meia maratona hoje em dia. Depois daí eu sofro por uns 3 quilômetros e simplesmente o meu paredão chega por volta dos 24k. Ou seja, daí para frente é um sofrimento que não em faz muito sentido ter como estilo de vida. Volto a lembrar que sofri em meus primeiros 5k, 10k, São Silvestre, 21k, mas depois todos tornaram-se prazerosos.

Daqui exatamente uma semana estarei disputando minha primeira maratona em Buenos Aires. Vamos ver como as coisas ocorrerão...

Por hora vamos ficar com a parte boa? Chegada da Run The Night noturna.