quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O dia em que larguei o emprego e comecei a gostar de São Paul

Imagem: Gustavo Soares 

Parece contraditório, eu sei. Afinal, uma das principais razões pelas quais as pessoas dizem que vale a pena viver em São Paulo e se submeter a todo trânsito, caos, etc e tal é a possibilidade de trabalhar muito, “subir na vida” e ganhar cada vez mais dinheiro, até conseguir ter o suficiente pra dar o fora daqui. Pelo menos sempre foi assim que um monte de gente que conheço pensou. E eu não fugia à regra.

Quer dizer, fugia pela parte de ter que se matar pra conseguir ir embora, já que nunca fui muito adepta desse ritmo frenético e avassalador de encarar o emprego aqui na cidade. E olha que, mesmo assim, passei três anos trabalhando em plena avenida Paulista e encarando, diariamente, o exército de roupa social armado com seu iphone, marchando em busca de uma mesa na hora do almoço ou disputando um lugar na calçada pra tomar uma cerveja depois do trabalho, com os colegas de trabalho pra falar sobre… trabalho!
Mas o caso é que, quem me conhece, sabe que sempre preguei o discurso de que São Paulo, apesar das inúmeras oportunidades, é uma cidade que suga energias, desumaniza e nos transforma em robôs capitalistas e por isso eu iria morar numa casa no campo, onde eu pudesse ficar do tamanho da paz (com a devida permissão para me apropriar do verso inspirador). E todas as manhãs quando, como de costume, eu acordava e resumia mentalmente como seria meu dia, o único pensamento que me ocorria – sobretudo nos dias mais ensolarados e de céu azul – era: “mas que diabos você está fazendo aqui, Carol?”.  Até o ponto em que essa pergunta se tornou parte da minha rotina e dos meus pensamentos matinais.
No auge da minha ansiedade por mudanças, cheguei a enviar, em menos de uma semana, cerca de 80 e-mails para fazendas orgânicas, ecovilas, Ong’s e entidades-que-atuam-o-mais-longe-possível-da-civilização, em busca de programas voluntários que iam desde limpar cocô de rinocerontes na África até observar o ciclo de acasalamento das baleias jubarte no Sul do Brasil.
Não que eu pessoalmente não ache ambos incríveis e, com certeza, ainda quero passar por essas e tantas outras experiências. Mas eu me dei conta de que minha busca estava mais para uma fuga desesperada do que um encontro com alguma vocação. E foi aí que eu decidi parar, respirar e tomar a decisão mais razoável para o momento: larguei o emprego. Assim, sem mais nem menos, sem eira nem beira nem qualquer outro jogo de palavras ou de cartas na manga pra me virar. E não, meus pais não me sustentam pra eu poder me dar ao luxo de bancar a rebelde-revolucionária e viver de mesada.

Passados dois meses na rotina de fazer freelas de conteúdo em blogs, redes sociais e eventualmente cliente oculto em clínicas de massagem (porque afinal, não tá fácil pra ninguém) e com o dinheiro já nos últimos e derradeiros suspiros, encontrei uma oportunidade para participar de um projeto com a proposta de levar cultura e diversificar o público frequentador das bibliotecas de São Paulo. E eu que adoro livros, adoro cultura e adoro o contato com pessoas, achei que meus dias de massagem tinham chegado ao fim.
Resumindo para não perder o foco que já não tenho. Estou na minha primeira semana de trabalho e já tive oportunidade de contar história para três classes de crianças de 3 a 5 anos, o que me levou a descobrir que a forma como você conta às vezes é mais importante que a história em si, já que a atenção delas se dispersa a cada 8 segundos. Que não importa se você pergunta “quem já comeu feijão” ou “quem nadou com leões marinhos míopes no verão passado”, todas elas sempre vão levantar a mão e responder em uníssono “EEEEEEEEEEEU”.
Descobri também que se dois livros contam a mesma história, porém possuem edições com capas diferentes, as crianças podem julgar que se trata de um outro enredo e isso pode eventualmente te levar a ler “Os 3 porquinhos” três vezes seguidas, repetindo inclusive o sopro do lobo tentando derrubar a casa deles. Descobri, por fim, que nada descreve a sensação de ver um grupo de vinte pessoinhas vindo correndo na sua direção e abraçando seu joelho na hora de falar tchau, assim como a fofura de ver uma delas emburrada porque não quer ir embora da biblioteca e precisa voltar pra escola.
Tenho descoberto, a cada dia, inúmeras coisas. E me surpreendido com cada descoberta. Talvez a maior delas tenha sido a de que, pela primeira vez em muito tempo, entendi o que faltava pra eu gostar de viver em São Paulo: TEMPO.
Tenho tempo pra ir de bike ou a pé trabalhar e trabalho dentro de um parque, no qual tenho tempo para passar algum tempo antes de começar o expediente. Tive tempo pra descobrir que lá do lado tem uma escola que oferece curso gratuito de libras para o qual já me inscrevi, pois faz um tempo que andei pensando que todo mundo deveria saber libras; afinal, quem não utiliza a fala como linguagem também deveria poder se comunicar sem obstáculos. Mas isso já é um outro foco e, apesar de ter tempo para falar dele, não acho que vem ao caso nesse momento.

É incrível como as coisas simples ganham sabor quando você desacelera o passo. Moro há tanto tempo no mesmo bairro e só agora descobri um clube com vários cursos gratuitos; comecei a praticar flauta e fazer slackline na praça aqui do lado quando chego do trabalho. Isso sem falar no pão de queijo recheado com requeijão divino no mercado aqui perto, que me obriga a tirar um tempinho e passar lá na volta pra casa.
“- Ah, então vamos todos abraçar árvores e viver de luz a partir de hoje”. Confesso que não acharia má ideia, mas como ainda não consegui viver de luz, preciso comer e pagar contas como qualquer pessoa. E sabe que isso não tem me parecido ser tão maçante quanto sempre foi? E sabe também que a ideia de viver em São Paulo pode não ser assim tão horrível quanto sempre pensei? Talvez eu esteja pensando em adiar meu plano desesperado de fuga por algum tempo.
Porque acho que eu descobri, finalmente, que São Paulo é um espaço como qualquer outro. Um espaço feito por pessoas. E é a nossa relação com as pessoas e com o espaço que vão definir a qualidade do tempo que passamos aqui.
Mas isso é só a opinião de quem acabou de comer um pão de queijo recheado e achou que o fato merecia uma reflexão…



Crônica de Carolina Marini originalmente publicado em Mundo Blá

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