segunda-feira, 9 de maio de 2011

Frankenstein


Engraçado como a imagem da criatura conhecida como Frankenstein quase nunca é relacionada à literatura e pela minha experiência pessoal, entendo completamente. Quando pequeno, recordo-me de sua imagem associada ao seriado Família Adams. Mesmo em um ambiente de humor, ele tinha o ar mais horripilante da trupe e logo fiquei sabendo que haviam filmes de terror com o tal gigante. Associar nosso personagem ao mundo do terror, embora completamente compreensível, é limitar-se erroneamente com o trabalho de Mary Shelley. O título original é Frankenstein ou o Moderno Prometeu. Frankenstein como ficou conhecido começa realmente a tomar outras proporções em minha cabeça com o filme: Frankenstein de Mary Shelley. Filme de 1994 com Um irreconhecível e magnífico Robert de Niro no papel principal. Massacrado pela crítica na época, ele me fez ver um romance com claras inspirações góticas que era uma espécie de vanguarda quando escrito, mas algo de profunda sensibilidade, questionamentos e filosofia para quem estivesse disposto a romper a barreira da feiura da criatura em um primeiro momento.

O filme não mostrou-me um filme de terror como esperava. Era tão diferente do que eu esperava que acreditei que o Frankenstein de Mary Shelley era a adaptação dessa desconhecida criatura para mim até então. Fui então em busca da origem de tal criatura e soube que ela a autora original. O escreveu com apenas 19 anos e que todos os outros é que eram versões dela. Pouco tempo depois, estava com o livro em punhos (no qual estou no momento relendo pela segunda vez) e o livro era ainda muito mais profundo e interessante. O livro é escrito através de cartas escritas pelo capitão Robert Walton para sua irmã enquanto ele está ao comando de uma expedição náutica que busca achar uma passagem para o Pólo Norte. O navio fica preso quando o mar se congela, e a tripulação avista a criatura de Victor Frankenstein viajando em um trenó puxado por cães. A seguir o mar se agita, liberando o navio, e em uma balsa de gelo avistam o moribundo doutor Victor Frankenstein. Ao ser recolhido, Frankenstein passa a narrar sua história ao capitão Walton, que a reproduz nas cartas a irmã.

Essas cartas possuem o nascimento errante da criatura. Trágica desde sua concepção ao unir o corpo de um assassino e o cérebro de sua vítima, o “monstro” de Frankenstein chega ao mundo já sofrendo todo o tipo de rejeição (inclusive a pior delas: a paterna) e sendo perseguido com crueldade e violência pela Humanidade – e não demora muito até que surja dividindo comida com os porcos numa cena profundamente tocante. Porém, nem mesmo toda a brutalidade à qual é submetida é capaz de eliminar a esperança da Criatura de encontrar um lugar no qual seja aceita e, assim, sua natureza quase infantil (afinal, ela é, de certa forma, uma criança) a leva a apostar imprudentemente numa possibilidade de “adoção” que já nasce condenada ao fracasso. Não há, neste aspecto, como não se comover com o sorriso satisfeito que o “monstro” abre ao testemunhar a alegria da família que ajudou a sobreviver durante um inverno rigoroso – e é igualmente doloroso constatar a triste ironia contida no fato da primeira palavra pronunciada por ele ser “Amigo” (o que resume, também, sua imensa carência emocional) ou de sua fuga de Ingolstadt exigir que ele se esconda entre seus “semelhantes” (uma pilha de cadáveres).

Mas um dado momento, existe uma passagem onde ele vive junto à um velho cego em uma colina que não o vendo, não o rejeita. Isso é relatado pela própria criatura (que erroneamente costuma ser chamada de Frankenstein) ao doutor Victor Frankenstein e é sociologia, filosofia, psicologia ao extremo para uma brilhante autora de apenas 19 anos. Um livro simplesmente sensacional. Mesmo com esse adaptação de 1994 ser muito fiel e com Robert de Niro simplesmente magistral, vale a leitura de um dos maiores clássicos já escritos.

2 comentários:

  1. Òtima resenha sobre o livro, mestre! Um dos meu prefiridos de todos os tempos. É engraçado ver como Frankenstein é tão conhecido e desconhecido ao mesmo tempo. Isso me faz lembrar o próprio Batman, tão caricaturado pela televisão e cinema, mas verdadeiramente profundo em sua origem e contexto.
    Parabéns pelo texto!
    Quem vos escreve é Lindemberg, seu ex-aluno e grande admirador, direto de Fortaleza.

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  2. Fala Lindemberg. Dispenso apenas o mestre. Sou um mero curioso e aprendiz, mas que esse livro tem uma profundidade que a maioria das pessoas se quer imagina, tem.

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