quarta-feira, 2 de junho de 2010

Caleidoscópio V

Por Demétrius Carvalho

Enquanto comia, pegou o caleidoscópio e levou-o aos olhos quase que instintivamente. De fato menos atrativo agora que ele sabia que o que visualizava era produto de sua mente, mas percebeu que simplesmente podia controlar o que via. Lembrou-se então de olhar na parte de trás e havia sim um pequeno calendário tão pequeno e delicado e de uma engenhosidade que o fizeram desacreditar que o artefato em suas mãos datava de 440 a.c., mas depois lembrou que nada vivido nas últimas 12 horas fazia o menor sentido.

Sentia-se cansado e comeu muito mais do que o habitual. Tomou um bom banho e ficou pensando o que estaria fazendo de errado em sua vida, onde lhe faltava sabedoria. De fato não tinha a vida que imaginou quando criança, mas não podia reclamar de sua vida, profissão, ou mesmo condição financeira. Amava seus amigos e parentes e mesmo os que com ele trabalhava ou as pessoas mais humildes que conviviam com ele tinham o seu respeito e por isso gostavam dele. Sempre tentou ser desprovido de preconceitos para com os outros e realmente gostava das pessoas que convivia.

Sentia-se realmente cansado, mas ao deitar visualisou o caleidoscópio. Se agora as imagens respondiam imediatamente aos seus pnsamentos e pareciam ter perdido o encanto da imagem inesperada, ele pode sentir o quanto poderia se tornar escravo como falava o pergaminho justamente por visualizar o que quisesse. Somente 4h43 foi que conseguiu solta-lo e sabia que teria um dia complicado pela frente. Para piorar, demorou para adormecer e ainda teve sonhos com o caleidoscópio. Quase não pode acreditar quando o despertador tocou pontualmente 6h45 e com muito esforço estava na redação do jornal pontualmente 8h00. Como sempre entrou com uma torrada e uma xícara de café. Apenas o caleidoscópio o diferenciava de um dia normal, mas a sua cabeça parecia não funcionar como sempre.

Certa hora, sua redatora que trabalhava na mesa ao lado pega o caleidoscópio e diz ser apaixonada por aquele brinquedo desde criança. Ele quase paralisa de medo, mas ela não esbossa espanto algum e ainda passa para a mesa a sua frente onde nenhum dos outros dois demostra algo diferente, mas sua face devia conter horror. Sua redatora tomou-o de um deles e devolveu-lhe para não apanharem. Ao menos ele sabia que diferente do pergaminho, ele não sumiria e que apenas ele via cenas que não havia acontecido de fato. Isso por hora lhe tranquilizava.

Apenas depois do almoço foi que conseguiu se concentrar no trabalho e chegou a esquecer por completo de tudo o que lhe aconteceu no dia anterior. Por fim, de onde menos esperava ter uma resposta, sentiu ter encontrado.



Revisava um texto sobre saúde na 3ª idade e um simpático senhor de 78 anos ao lado de sua esposa que atribuía sua alegria de vida ao fato de ter entendido que nem tudo era perfeito. Ele passou boa parte de sua vida achando que lhe faltava algo até entender que ele desperdiçava todas as oportunidades que lhe apareceram por não serem a situação ideal e ao entender isso ele passou a olhar o lado positivo das coisas.
—Com minha esposa mesmo, não foi o que sonhei. Sonho é sonho e eu tinha o dever de construir a minha realidade, ou viver no mundo do faz de conta em busca da situação ideal que nunca aconteceria.

Era isso. Sabia a resposta sem sombra de dúvidas. Até hoje estava solteiro por buscar sempre o encontro perfeito. A pessoa ideal. No fundo era como se soubesse que não haveria a relação perfeita, mas não fazia algo concreto para estar com alguém e ser feliz.



Continua...


Um comentário:

  1. Wow! Temos quase um livro! :) E eu a-d-o-r-o caleidoscópios!!! Acompanhando...
    Beijos.

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